Um pecado que muito dificulta trilhar o caminho da santificação, é sem dúvida a gula. É o amor desregrado ao comer e ao beber, buscando muito mais o prazer do paladar do que a necessidade de se alimentar. Quando enchíamos demais o prato e não aguentávamos comer tudo, minha mãe dizia que tínhamos "os olhos maior do que o estomago". Assim como outros vícios, a gula tem também causas diversas, e pode ser fuga, mas não deixa de ser um problema moral que precisa ser enfrentado com coragem, fé e luta.
A temperança, que é a virtude oposta à gula, garante à pessoa, saúde, equilíbrio, autocontrole e bem estar. O economista Joelmir Beting disse certa vez que as pessoas podem ser divididas em dois grupos: um dos que passam fome, e outro dos que precisam fazer regime para emagrecer. Tirando o exagero, há uma parcela de verdade nesta afirmação, e isto mostra a falta de temperança. É preciso ter coragem de abrir os olhos. Há em cada um de nós um mecanismo psíquico, fortíssimo, de "compensação", que nos faz buscar desesperadamente a satisfação em alguma coisa, quando sofremos os revezes da vida. A maior parte das vezes essa compensação é buscada, quase que mecänicamente, no sexo, na comida e no dinheiro, de maneira desordenada. É preciso então, mais uma vez, lembrarmos da advertência séria de Jesus: "Vigiai e orai; pois o espírito é forte, mas a carne é fraca" (Mc14,38).
Há uma página belíssima no diário do jovem escoteiro francês, Guy de Larigaudie, que ele chama de "aventuras interiores". Escreve ele: "...devia ser uma mestiça. Tinha os ombros esplêndidos e a beleza animal das mulatas, de lábios grossos e olhos imensos. Era bela, de uma beleza selvagem. Em verdade só havia uma coisa a fazer. Não a fiz. Tornei a montar o cavalo e partir a galope, sem me virar, chorando de desespero e de raiva. Penso que no dia do juízo final, se não tiver outra coisa a apresentar, poderá oferecer a Deus, como flores, todas essas carícias, que por amor Dele eu não quis conhecer" (Estrela de Alto Mar). É o exemplo de uma fuga heróica. Os santos foram pessoas como nós, tentados do mesmo jeito, mas que estavam dispostos a lutar; decidiram lutar contra o pecado "até o sangue", como disse o Apóstolo (Hb 12,4).
São Francisco de Assis , um dia, viu-se obrigado a atirar-se contra os espinhos do roseiral de Assis para que o fogo da paixão fosse apagado pela dor. O grande São Bernardo, de Claraval, um dia jogou-se num lago gelado até o fogo da paixão se acalmar em seus membros. É difícil a luta contra os vícios, mas é necessária e linda. Sem ela não seremos homens autênticos como Deus nos desejou.
O homem "de pé", é aquele que tem uma hierarquia de valores: o espírito acima da razão, e esta acima do corpo. Se é o corpo e suas paixões, que o conduzem, o homem então está de "cabeça para baixo", vive se arrastando como um verme da terra, como disse Michel Quoist, o grande sacerdote e educador dos jovens: "sem a primazia do espírito não há mais homem". Na verdade "poucos são os que merecem o nome de homem". O grande problema de nosso mundo moderno é exatamente este: quanto mais o homem vai apoderando-se da tecnologia e do universo, ao mesmo tempo vai perdendo o domínio de si mesmo. Isto porque ele está de cabeça para baixo; os seus instintos sufocam o seu espírito.
Está escravo dos bens materiais, está escravo da comida e da bebida, está escravo do sexo; e, por isso distorce o sentido de todas as coisas e perde o rumo. Asfixiou o seu espírito! Só há um jeito de sermos homens livres, é lutar contra nós mesmos e conquistarmos a liberdade de filhos de Deus (Rom 8,21). Esta não é uma lei apenas do cristianismo. Antes de sermos cristãos temos que ser homens, conforme a natureza, obedecendo a hierarquia dos valores humanos. Ghandi, o hindu apaixonado por Jesus e pelo Evangelho, dizia que "quando a gula estiver sob controle todos os outros sentidos automaticamente estarão". É por isso que praticava e recomendava tanto o jejum.
O domínio de si mesmo é a mais difícil das artes, e também a mais importante. Quem não é capaz de governar a si mesmo não é capaz de governar os outros, a família e as instituições. Na mesma exortação do "vigiai e orai", Jesus recomenda-nos: "Velai sobre vós mesmos para que os vossos corações não se tornem pesados com o excesso de comer, com a embriaguez e com as preocupações da vida; para que aquele dia não vos apanhe de improviso" (Lc 21,34).E acrescenta: "Vigiai, pois, em todo o tempo, e orai a fim de que vos torneis dignos de escapar a todos estes males que hão de acontecer, e de vos apresentar de pé diante do Filho do Homem"(36).
E São Paulo faz eco a essas palavras quando escreve aos Colossenses: "Mortificai, pois, os vossos membros terrenos: fornicação, impureza, paixões, desejos maus, cupidez e a avareza, que é idolatria" (Cl 3,5).Qual era para São Paulo o sentido da mortificação? Ele afirmava: "Castigo o meu corpo e o mantenho em servidão, a fim de que não aconteça que, tendo pregado aos outros, venha eu mesmo ser reprovado" (1Cor 9,27). Pelo batismo " diz São Paulo " "fomos sepultados com Cristo na sua morte e ressuscitamos dos mortos pela glória do Pai para uma vida nova" (Rom 6,3"6; Col 2,12).
A Bíblia de Jerusalém explica assim essa grande realidade espiritual: "A obra de morte e ressurreição, operada pelo batismo, de maneira instantânea e absoluta no plano místico (sobrenatural) da união com Cristo celestial (Col 2,12"20; 3, 1"4), deve realizar-se de modo lento e progressivo no plano terrestre do velho mundo em que o cristão permanece mergulhado. Já morto em principio, deve ele morrer de fato, "mortificando" dia a dia o "homem velho" do pecado que nele vive".Esse é o sentido da mortificação; realizar a nível terreno (natural) a obra que o batismo já completou a nível místico (sobrenatural); e torna-se, assim, um caminho de santificação. O livro do Eclesiástico nos ensina com sabedoria divina: "Filho, durante a tua vida prova a tua temperança, vê o que é nocivo e não te concedas.Não seja ávido de toda delícia, nem te precipites sobre iguarias, porque na alimentação demasiada está a doença e a intemperança leva à náusea. Muitos morreram por intemperança, mas aquele que se cuida, prolonga a vida" (Eclo 37,27-31).
Além da temperança na comida, na bebida, no que se vê e no que se ouve, é fundamental na busca da própria santificação, a temperança no falar. A palavra tem um poder extraordinário, tanto para gerar o bem quanto para produzir o mal. Muitos já disseram que a palavra pode ser mais destruidora do que os canhões. Não é à toa que um dos mandamentos é: "Não levantar falso testemunho". Jesus disse que seremos julgados também pelas palavras que dissermos: "Eu vos digo, no dia do juízo os homens prestarão contas de toda palavra vã que tiverem proferido. É por tuas palavras que serás justificado ou condenado"(Mt 12,36). A nota da Bíblia de Jerusalém diz que "não se trata simplesmente de palavras "ociosas", mas de palavras perversas; em suma, calúnia" .
Há uma lógica em que sejamos julgados pelas nossas palavras, pois elas espressam o que há no nosso interior. Jesus mesmo ensina, que "a boca fala daquilo que está cheio o coração" (34). Isto nos ensina que só teremos lábios puros se o coração for puro. Assim como o mau hálito, muitas vezes, é sinal de que o estômago não está bem, as más palavras espelham o mal estado do espírito. E como as palavras más são destruidoras nas comunidades!... São Paulo recomendava vivamente aos Efésios: "Nenhuma palavra má saia de vossas bocas, mas só boas palavras que sirvam para edificação e que sejam benfazejas aos que a ouvem" (Ef 4,29).E Jesus, certamente pensando no perigo das calúnias, acusações, blasfêmias, etc., proibia todo julgamento, fofocas e comentários que ferem a caridade. "Não julgueis para que não sejais julgados, pois com a mesma medida com que medirdes sereis medidos" (Mt 7,102).
É tão grande o efeito de nossas palavras na vida das outras pessoas, que São Tiago considera a temperança no falar um critério de perfeição. "Se alguém não cair por palavras, este é um homem perfeito, capaz de refrear todo o seu corpo" (Tg 3,12). E o apóstolo faz três belas comparações:
1. ''governamos todo o corpo vigoroso do cavalo colocando um pequeno freio na sua boca;
2. "governamos os grandes navios, mesmo quando agitados pelos fortes ventos, com um pequeno leme à vontade do piloto e,
3. "uma pequena chama de um fósforo pode incendiar uma grande floresta. Os livros sapienciais da bíblia estão repletos de ensinamentos sobre o controle da língua. Não ser apressado em responder: "Escuta com doçura o que te dizem a fim de compreender, darás então uma resposta sábia e apropriada" (Eclo 5,13).Falar com paz e justiça: "Não te afastes jamais de uma linguagem pacífica e equitativa"( 5,12).É melhor calar"se do que falar o que não deve: "Se tiveres inteligência, responde a outrem, senão põe a mão sobre a tua boca, para que te não suceda ser surpreendido e dizer uma palavra indiscreta, e venhas te envergonhar dela" (5,14).Quando a gente diz alguma coisa que não deve, acaba ouvindo o que não quer.
É preciso muito cuidado com a língua; "pois sendo inflamada pelo inferno incendeia o curso de nossa vida" ( Tg 3,6), nos lembra são Tiago. "Feliz o homem que não pecou por suas palavras" (Eclo14,1).Quantas brigas e até mortes por causa das palavras! "Uma querela precipitada acende o fogo; a presteza na disputa derrama sangue, e a língua que presta falso testemunho causa a morte" (Eclo 28,13).O peixe morre pela boca e muitos pelas suas palavras."A chicotada faz um ferimento, porém uma língua má quebra os ossos.Muitos homens morreram pela espada, mas não tanto quanto os que pereceram por sua própria língua" (Eclo 28,21-22)."Faze uma balança para pesar as tuas palavras, e para a tua boca um freio bem ajustado" (28,29).O livro dos Provérbios diz que: "Não pode faltar o pecado num caudal de palavras, quem morde seus lábios é um homem prudente"( Pr 10,19).
Do Livro: "Sede Santos!" Prof. Felipe Aquino
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