“A caridade, mais forte do que a morte, uniu-as do céu à terra, e da terra ao purgatório, e é pelo mesmo sacrifício que nós agradecemos a Deus, a glória com a qual cumula os santos do céu, e imploramos a misericórdia para os santos do purgatório, santos ainda não perfeitos.
A Igreja triunfante do céu, a Igreja militante da terra e a Igreja sofredora do purgatório, paciente, nada mais são que uma só e mesma Igreja; que a caridade, mais forte que a morte as uniu do céu à terra, e da terra ao purgatório. São como três partes duma só e mesma procissão de santos, procissão que avança da terra ao céu.
As almas do purgatório participarão daquela procissão um dia. Sim, porque ainda não tem, bem brancas, as vestimentas de festa, a roupa nupcial ainda guarda nódoas, aquelas nódoas que somente o sofrimento limpa.
Então, como os contemporâneos de Noé, aqueles que não fizeram penitência senão no momento do dilúvio foram encerrados em prisões subterrâneas, até que Jesus Cristo lhes aparecesse, anunciando-lhes a libertação, quando de sua descida aos infernos.
Como os fiéis da Igreja triunfante, os fiéis da Igreja militante e os fiéis da Igreja sofredora e paciente, são membros dum mesmo corpo - que é Jesus Cristo - e tanto uns como outros participam, interessam-se, condoem-se da glória, dos perigos, dos sofrimentos duns e doutros, tal qual os membros do corpo humano. Vejamos um exemplo: o pé está em perigo de saúde ou sofre dores: todos os membros do corpo jazem em comoção. Os olhos olham-no, as mãos protegem-nos, a voz chama por socorro, para afastar o mal ou o perigo. Uma vez afastado o mal, regozijam-se todos os membros.
É o que acontece com o corpo vivo da Igreja universal. E vemos os heróis da Igreja militante, os ilustres Macabeus, assistidos pelos anjos e santos de Deus, especialmente pelo grande sacerdote Onias e pelo profeta Jeremias, rogar e oferecer sacrifícios por esses irmãos que estavam mortos pela causa de Deus, mas culpados desta ou daquela falta.
No dia seguinte, depois duma vitória, Judas Macabeu e os seus surgiram para retirar os mortos e depositá-los no sepulcro dos antepassados e encontraram sobre as túnicas dos que estavam mortos coisas que haviam sido consagradas aos ídolos de Jamnia, que a lei proibia aos judeus tocar. Foi, pois, manifesto a todos que era por isso que haviam sido mortos. E todos louvaram o justo julgamento do Eterno, que descobre o que está escondido, e suplicaram-lhe que fosse esquecido o pecado cometido.
Judas exortou o povo a que se preservasse do pecado, tendo diante dos olhos o que viera pelo pecado dos que haviam sucumbido. E, depois de ter feito uma coleta, enviou a Jerusalém duas mil dracmas de prata, para que fosse oferecido um sacrifício pelo pecado dos mortos, agindo muito bem, pensando que estava na ressurreição. Porque se não tivesse esperança de que os que vinham de sucumbir ressuscitassem um dia, seria supérfluo e tolo rogar pelos mortos.
Judas, porém, considerava que uma grande misericórdia estava reservada aos que estão adormecidos na piedade. Santo e piedoso pensamento! Foi por isso que ofereceu um sacrifício de expiação pelos defuntos, para que fossem livres dos pecados. Tais são as palavras e reflexões da Escritura santa, segundo o texto grego, e as mesmas, mais ou menos, no latino.
Nosso Senhor mesmo adverte, bastante claramente, que há um purgatório, quando nos recomenda em São Mateus e São Lucas: "Conciliai-Vos com vossos inimigos (a lei de Deus e a consciência) enquanto estais em caminho para irdes ao príncipe, não seja que este inimigo vos entregue ao juiz, o juiz ao executor, e que sejais metido numa prisão. Em verdade vos digo, dela não saireis, enquanto não pagardes o último óbolo."
Segundo essas palavras, está bem claro que há uma prisão de Deus, onde se é arrojado por dívidas paraa com sua justiça, e donde não se sai - senão quando tudo estiver pago.
Nosso Senhor, em São Mateus, disse-nos ainda: "Todo pecado e blasfêmia será perdoado aos homens, porém, a blasfêmia contra o Espírito Santo não será perdoada, nem neste século nem no futuro". Onde se vê que os outros pecados podem ser perdoados neste século e no futuro, como o livro dos Macabeus diz expressamente dos pecados daqueles que estavam mortos pela causa de Deus.
Do mesmo modo, no sacrifício da missa, a santa Igreja de Deus lembra os santos que com Ele reinam no céu, a fim de lhes agradecer pela glória e nos recomendar à sua intercessão. Doutro lado, suplica a Deus que se lembre dos servidores e servidoras que nos precederam no outro mundo com a chancela da fé, dignando-se conceder-lhes a estadia no refrigério na luz e na paz.
Maria, Mãe de Misericórdia, intercede por aquelas almas, que estão à espera da liberação
A crença do purgatório e a oração pelos mortos acham-se em todos os doutores da Igreja, bem como nos atos dos mártires, notadamente nos atos de São Perpétuo, escritos por ele mesmo.
Todos os santos rogaram pelos mortos. Santo Odilon, abade de Cluny, no século XI, tinha um zelo particular pelo que dizia respeito ao refrigério das almas do purgatório. Foi movido pela compaixão, pensando no sofrimento das almas do purgatório que, adiantando-se à Igreja, ordenou se rogasse pelas almas, tendo, destinado para isso um dia especial. Eis como Santo Odilon animou tal instituição, começando pelas terras que lhes estavam afetas ao sacerdócio. (...)
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