ÍNDICE
Capítulo 1
A maravilhosa origem de sua Ordem.
Capítulo 2
Sobre o milagre dos estigmas e o modo da aparição do Serafim que lhe apareceu
Capítulo 3
Do poder que teve sobre as criaturas insensíveis e em primeiro lugar sobre o fogo
Capítulo 4
Poder que teve sobre as criaturas sensíveis
Capítulo 5
Como a bondade de Deus se punha à disposição de Francisco
Capítulo 6
Sobre a Senhora Jacoba de Settesoli
Capítulo 7
Sobre os mortos ressuscitados pelos méritos do bem-aventurado Francisco
Capítulo 8
Sobre as pessoas que ele libertou da boca da morte.
Capítulo 9
Sobre hidrópicos e paralíticos
Capítulo 10
Sobre os náufragos libertados
Capítulo 11
Encarcerados e presos.
Capítulo 12
Sobre libertações do perigo do parto e sobre pessoas que não respeitaram sua festa.
Capítulo 13
Sobre hérnias curadas
Capítulo 14
Sobre os cegos, surdos e mudos
Capítulo 15
Sobre leprosos e hemorrágicos.
Capítulo 16
Sobre insanos e endemoninhados.
Capítulo 17
Sobre contraídos e aleijados
Capítulo 18
Sobre diversos outros milagres.
Capítulo 19
Conclusão final dos milagres de São Francisco
Começam os milagres de São Francisco
Capítulo 1
A maravilhosa origem de sua Ordem.
1. No começo desta narração, em que vamos contar os milagres de nosso santíssimo pai Francisco, decidimos destacar acima de tudo o milagre solene que foi para o mundo uma advertência, um despertar e um estremecimento. Refiro-me ao nascimento da religião, fecundidade da estéril, geração de grupos tão variados. Via o velho mundo decompondo-se na podridão do vício; as ordens desviadas das trilhas apostólicas, e a noite do pecado já no meio, impondo-se o silêncio às disciplinas sagradas quando, de repente, surgiu na terra um homem novo e ao súbito aparecimento de um novo exército, os povos se maravilharam diante dos sinais de renovação apostólica. Desponta logo na luz a perfeição da Igreja primitiva, já sepultada, pois o mundo lia suas grandezas mas não via seus exemplos. Como não lembrar que os últimos serão os primeiros (Mt 19,30), se vemos que, maravilhosamente, transformaram-se os corações dos pais nos filhos, e os dos filhos nos pais (Ml 4,6)? Será que podemos desconsiderar a célebre e famosa missão das duas Ordens e deixar de perceber o presságio de alguma coisa de grande que virá em breve? Desde os tempos dos apóstolos, não foi proposto ao mundo ensinamento tão autorizado, tão admirável. Admirável fecundidade de uma estéril! Pois era mesmo estéril e seca esta religião, afastada de toda terra úmida dos bens terrenos. Estéril porque não colhe nem guarda em celeiros (Mt 6,26), como não leva pelo caminho do Senhor sacola (Lc 9,3; At 18,25) cheia. Mas, esperando contra toda esperança (Rm 4,18), o santo acreditou que iria herdar o mundo (cfr. Jó 4,13) e não considerou sem virilidade seu corpo nem estéril o seio de Sara (cfr. Rm 4,19), certo de que o poder de Deus podia fazer brotar dela o povo hebreu. Mas não era um povo com as adegas cheias, com despensas transbordantes, com amplas propriedades, mas alimentado neste mundo por aquela mesma pobreza que o torna digno no céu. Ó fraco em Deus, mais forte para os homens, pois glorifica a nossa cruz e sustenta a pobreza! E pudemos ver que essa vinha cresceu rapidamente, estendendo de mar a mar seus ramos multiplicadores (cfr. Sl 79,12). De toda parte acorreram povos, multiplicaram-se os grupos e se ajuntaram quase de repente para a egrégia construção do templo como pedras vivas (cfr. 1Pd 2,5). E não a vimos apenas multiplicada rapidamente no número de filhos: tornou-se famosa porque sabemos que muitos dos que gerou já conseguiram a palma do martírio e veneramos não poucos que foram incluídos no catálogo dos santos pela prática perfeita de toda santidade. Mas passe já a narração para o cabeça de todos eles, pois essa é nossa intenção.
Capítulo 2
Sobre o milagre dos estigmas e o modo da aparição do Serafim que lhe apareceu
2. O homem novo (cfr. Ef 4,24), Francisco, ficou famoso por um novo e estupendo milagre: por um singular privilégio, jamais concedido nos séculos anteriores, foi marcado e ornado pelos sagrados estigmas tornando-se semelhante em seu corpo mortal ao corpo do Crucificado (cfr. Fl 3,10; Rm 7,24). Tudo o que se possa humanamente dizer dele sempre estará aquém do louvor que ele merece. Não temos que buscar razões nem quem foi seu exemplo, porque ele é único. Todo esforço do homem de Deus, tanto em público como em particular, era para com a cruz do Senhor; e, desde que começou a batalhar pelo Crucificado, brilharam nele diversos mistérios da cruz. Quando, no começo de sua conversão, resolveu despedir-se de todos os enganos deste mundo, do lenho da cruz Cristo dirigiu-se ele, enquanto orava, soltando pela boca da imagem estas palavras: “Francisco, vá reparar minha casa que, como vês, está sendo toda destruída”. Desde então ficou profundamente gravada em seu coração a lembrança da paixão do Senhor e, realizada uma enorme conversão interior, sua alma começou a derreter-se, quando o amado lhe falou (cfr. Ct 5,6). Será que não foi na mesma cruz que ele se fechou quando assumiu o hábito da penitência, que expressava a imagem da cruz? Essa roupa, embora lhe conviesse mais ao seu propósito porque era um desejoso da pobreza, comprovou mais do que tudo como vivia nele o mistério da cruz, pois, na medida em que sua mente vestira por dentro o Senhor crucificado, assim o seu corpo vestiu por fora a cruz de Cristo (cfr. Gl 6,14), para que seu exército lutasse por Deus usando a insígnia com que Deus debelara as potências do mal.
3 Não é verdade que Frei Silvestre, um de seus primeiros irmãos, homem de virtude consumada em tudo, viu sair de sua boca uma cruz de ouro, cujos braços abarcavam o mundo inteiro de forma admirável? Está escrito e comprovado por um relatório fiel que Frei Monaldo, famoso por sua vida, costumes e austeridade, viu uma vez com seus olhos corporais São Francisco crucificado, durante uma pregação de Santo Antônio sobre a cruz. Não é verdade que ele tinha o costume, e prescreveu a seus primeiros filhos que, quando vissem algo parecido com a cruz, prestassem a devida honra e a reverência? O sinal de que mais gostava era o Tau, único com que assinava os papéis de suas cartas e pintava as parades das celas. Frei Pacífico, homem de Deus, agraciado por visões do céu, viu com os olhos da carne um grande Tau na testa do santo pai, pintado com diversas cores e brilhando como ouro. Como é digno, tanto da razão humana como da fé católica que uma pessoa que tinha sido marcada com o admirável amor da cruz também se tornasse admirável pela honra da cruz! Por isso não há nada de mais verdadeiro do que o que nos foi contado sobre os estigmas da cruz.
4 O modo da aparição foi este. Dois anos antes de entregar o espírito ao céu, no eremitério chamado Alverne, na província da Toscana, onde já estava todo entregue ao retiro da contemplação da glória celeste, teve uma visão de um Serafim posto numa cruz, com seis asas e pairando sobre ele, com as mãos e os pés pregados na cruz. Duas asas elevavam-se acima da cabeça, duas se estendiam para voar, duas cobriam o corpo todo (cfr. Is 6,2). Quando viu isso ficou muito espantado mas, como não sabia o significado da visão, seu coração sentiu uma mistura de tristeza e de gozo. Alegrava-se pelo aspecto gracioso com que parecia ser olhado pelo Serafim, mas a crucificação o aterrorizava. Pôs-se a pensar profundamente no que aquele oráculo poderia significar, e seu espírito ficou ansioso por descobrir alguma coisa. Mas, enquanto dava voltas fora de si, perdeu a compreensão do que descobrira e nele se manifestou o sentimento. Pois logo começaram a aparecer em suas mãos e pés sinais de cravos, como vira um pouco antes no homem crucificado no ar. Suas mãos e pés dos pés (cfr. Jo 20,25), mas as pontas estavam do outro lado. As cabeças dos cravos, nas mãos e nos pés, eram redondas e negras, mas as pontas eram compridas e rebatidas, surgindo da própria carne e sobrando para fora do corpo. O lado direito também parecia perfurado por uma lança, atravessado por uma cicatriz que, muitas vezes, quando sangrava, molhava sua túnica e suas calças com o sangue sagrado. Pois Rufino, homem de Deus de pureza angélica, numa vez em que o estava coçando com filial afeto, escorregou a mão e apertou sensivelmente a chaga. Não foi pouco o que o santo de Deus sofreu com esse toque. Afastou de si a mão e pediu ao Senhor que o poupasse.
5 Depois de dois anos, quando, em um fim feliz, ele trocou o vale da miséria pela pátria bem-aventurada, a notícia deste fato extraordinário chegou aos ouvidos das pessoas. Houve um ajuntamento de muita gente, louvando e glorificando o nome do Senhor (cfr. Lc 2,13.20; Sl 85,9). A cidade inteira de Assis acorreu como uma multidão, apressou-se a região inteira n, sequiosos por ver aquele espetáculo novo, que Deus acabara de colocar neste mundo. A novidade do milagre transformava o pranto em júbilo e arrebatava a visão corporal em estupor e êxtase. Contemplavam o corpo bem-aventurado de Cristo adornado pelos estigmas: ele tinha nas mãos e nos pés não os furos dos cravos mas o s próprios cravos, feitos de sua própria carne pelo poder admirável de Deus, e até como nascidos na sua carne, de modo que, de qualquer lado que fossem empurrados, logo ressaltavam do outro lado, como se fossem um mesmo nervo. E também viam o lado vermelho de sangue. O que estamos dizendo nós vimos e tocamos com nossas mãos (cfr. 1Jo 1,1) e o descrevemos de nosso punho. Com os olhos cheios de lágrimas registramos o que afirmamos com os lábios, e sustentamos em todo tempo o que uma vez juramos depois de ter tocado os objetos sacrossantos. Durante da vida do santo diversos de nossos irmãos o viram, mas, quando ele morreu, foram mais de cinqüenta que o veneraram, com inúmeros seculares. Por isso, que não haja nenhuma incerteza, que não haja dúvida alguma de que a bondade sempiterna nos fez este favor! Prouvera a Deus que por esse amor seráfico muitos membros se unissem a Cristo cabeça (cfr. 1Cr 12,12; Ef 1,22), e que nele tivessem as armas necessárias para o combate antes de serem levados para o Reino em semelhante glória! Quem é que em sã consciência vai negar que só a Cristo pertence essa glória? Mas que a pena imposta aos incrédulos satisfaça os menos devotos e torne mais firmes os que têm devoção.
6 Havia em Potenza, cidade do reino da Apúlia, um clérigo chamado Rogério, homem honrado e cônego da igreja principal. Abatido por longa doença, entrou um dia, para rezar pela saúde, em uma igreja onde havia um quadro de São Francisco que representava os gloriosos estigmas. Chegou e se ajoelhou suplicante para rezar com toda devoção. Mas, quando olhou para os estigmas do santo, começou a pensar bobagens e sua razão não tratou de repelir o aguilhão da dúvida, que entrou despercebidamente. Iludido pelo inimigo antigo, de coração dilacerado, começou a pensar: “Será que isso é verdadeiro, que esse santo brilhou mesmo por esse santo milagre, ou foi uma piedosa ilusão dos seus amigos? “Deve ser uma simulação, dizia, uma invenção e talvez uma fraude criada pelos frades. Seria demais para o senso humano e estaria bem longe de uma razão sadia”. Como é louco o homem! Tu que nada sabes deverias venerar mais humildemente o que é divino quanto menos podes compreender! Devias saber, se tens razão, que é facílimo para Deus renovar sempre o mundo com milagres, agir sempre em nós t (cfr. 2Cor 4,12) para sua glória, fazer coisas que não fez com outros. E então? Deus mandou uma dura ferida ao que estava pensando essas frivolidades, para que aprendesse pelo que sofria a não blasfemar. Foi atingido de repente na palma da mão esquerda, pois era canhoto, e ouviu o som como o de uma flecha lançada por uma bésta. Perpassado de dor pela ferida e de espanto pelo ruído, tirou a luva (pois estava de luvas). Antes não tinha nenhuma ferida na palma, mas viu no meio da mão uma chaga como um golpe de flecha. Vinha daí um ardor tão forte que ele parecia desmaiar de febre. O espantoso é que não havia nenhum sinal na luva, de modo que à chaga escondida do coração correspondia à pena de uma ferida escondida.
7 Depois disso ele gritou e urrou por dois dias, levado por uma dor muito cruel, e explicou a todo mundo a mancha de seu coração incrédulo. Confessou que acreditava verdadeiramente que os estigmas de São Francisco eram sagrados, e jurou que todos os fantasmas da dúvida já o tinham abandonado. Pediu suplicantemente ao santo de Deus que o ajudasse por seus sagrados estigmas, juntando a muitas orações o sacrifício de muitas lágrimas. Foi maravilhoso! Quando se livrou da incredulidade, a cura do corpo veio com a cura da mente. Parou toda a dor, acabou a febre e não ficou nem marca do ferimento. Tornou-se um homem humilde diante de Deus, devoto do santo e para sempre afeiçoado aos irmãos da Ordem. Esse fato milagroso tão solene foi atestado e confirmado sob juramento, e principalmente confirmado pelo bispo local. Bendito o admirável poder de Deus, que se manifestou na magnífica cidade de Potenza!
8 As nobres senhoras romanas, viúvas ou casadas, principalmente as que podem ser generosas pelo privilégio da riqueza e que têm o amor a Cristo, têm o costume de reservar em suas casas um quartinho ou refúgio apropriado para a oração, onde conservam algum quadro ou imagem do santo a quem têm especial devoção. Uma dessas senhoras, que unia a nobreza da virtude à do sangue, escolhera por patrono a São Francisco, cujo quadro tinha no seu oratório particular, onde ela rezava a Deus no oculto (Mt 6,6). Certo dia, devotamente entregue à oração, procurou atentamente com os olhos os sinais sagrados mas, não conseguindo encontrá-los, começou a ficar dolorosamente admirada. Mas não era de admirar que não houvesse no quadro o que o pintor não pintara. A mulher levou aquilo em seu coração por diversos dias sem falar com ninguém, olhando sempre para o quadro e se afligindo. Mas eis que, de repente, apareceram um dia aqueles sinais magníficos nas mãos, como costumam colocar nas outras figuras, suprindo a virtude humana o que fora negligenciado pela arte.
9 Trêmula e muito maravilhada, a mulher chamou depressa sua filha, que também seguia a mãe no santo propósito e, mostrando-lhe o que tinha acontecido, perguntou diligentemente se até então tinha visto a imagem sem os estigmas. A jovem afirmou e jurou que antes não havia estigmas mas que agora as chagas apareciam. Entretanto, como a mente humana muitas vezes nos leva a cair e põe a verdade em dúvida, a senhora ficou outra vez com uma dúvida ansiosa, achando que a imagem podia ter tido os sinais desde o começo. Então a virtude de Deus fez um segundo milagre para que o primeiro não fosse desprezado. Os sinais desapareceram de repente, a imagem ficou despida de privilégios, para que o fato seguinte confirmasse o que já tinha acontecido. Eu mesmo conheci essa senhora cheia de virtudes e confesso que vi nela, vestida com as roupas do século, uma alma consagrada ao Cristo Senhor.
10 Entretanto, desde o seu despertar, a razão humana se deixa enredar por sensações grosseiras ou por fantasias falaciosas, e, dominada por uma imaginação instável, se vê obrigada, às vezes, a pôr em dúvida o que tem que acreditar. É por isso que não só achamos difícil crer nos gestos maravilhosos dos santos mas nossa própria fé encontra muitas dificuldades nas coisas da salvação. Um frade menor, pregador por ofício e de vida louvável, firmemente convencido dos santos estigmas, começou a sentir o escrúpulo da dúvida sobre o santo milagre, quando estava fazendo o que costumava ou pensando em outras coisas. Podes imaginar a luta que se levantou dentro dele, com a razão defendendo a verdade mas a fantasia sugerindo o contrário. A razão sustentada por muitos apoios, admite que é assim como se diz, e, na falta de ulteriores argumentos, crê na verdade proposta pela santa Igreja. Do outro lado, conjuram as sombras sensuais contra o milagre, que parece totalmente contrário à natureza e algo inaudito desde todos os séculos. Uma noite, entrou na cela cansado dessa luta, levando consigo uma razão enfraquecida e uma imaginação ainda mais forte. Quando estava dormindo, São Francisco lhe apareceu com os pés cheios de barro, humildemente duro e pacientemente irado. Disse: “Que são esses conflitos em tua alma, que são essas dúvidas indignas? Olha minhas mãos (cfr. Jo 20,27) e meus pés!” Ele via as mãos perfuradas, mas não enxergava os estigmas dos pés por causa do barro. “Tira a lama de meus pés, disse o santo, para ver o lugar dos cravos (cfr. Jo 20,25)!” Ele se viu tomando os pés do santo, limpando o barro e tocando com as mãos o lugar dos cravos. Logo que acordou, o frade se banhou em lágrimas e, por uma confissão pública, limpou os sentimentos enlameados que tivera.
11 Para que não se julgue que os sagrados estigmas tenham sido apenas a marca de uma força daquele invencibilíssimo soldado de Cristo, além do sinal de uma prerrogativa especial ou de um privilégio do amor supremo, que o mundo inteiro não deixa de admirar, mas para que se veja como os sinais foram uma arma do poder de Deus, pode-se compreender a novidade mais evidente do milagre por um fato que aconteceu na Espanha, no reino de Castela. Viviam lá dois homens que mantinham uma infindável disputa, e sua amargura não encontrava sossego, não dava para acalmar suas ardorosas injúrias, nem arranjar remédio por uma hora que fosse, a não ser que um padecesse uma morte terrível pela mão do outro. Os dois andavam encouraçados e com muitos companheiros para armar ciladas um para o outro, porque não dava para cometer o crime em público. Uma noite, estando já bem escuro, aconteceu de passar um homem de vida muito honesta e de boa fama pelo caminho em que um tinha preparado uma emboscada para o outro. Ele ia indo depressa para a igreja dos frades, como costumava, para rezar depois da hora das completas, porque tinha muita devoção a São Francisco, quando se levantaram os filhos das trevas contra o filho da luz, que pensaram ser o inimigo que deviam matar. Traspassaram-no mortalmente por toda parte com suas espadas e o deixaram semimorto. No fim, o crudelíssimo inimigo cravou-lhe a espada profundamente na garganta e, não conseguindo arrancá-la, deixou-a na ferida.
12 Acorreu a vizinhança de todos lados e, levantando seus clamores até o céu, deplorou a morte do inocente. Mas como ainda havia no homem o sopro da vida, prevaleceu o conselho dos médicos de não arrancar a faca da garganta. Talvez tenham feito isso por causa da confissão, esperando que pudesse confessar-se por algum sinal. Os médicos trabalharam durante toda a noite e até de manhã para limpar o sangue e curar os ferimentos, por causa dos golpes múltiplos e profundos mas, como não conseguiram nada, desistiram da cura. Os frades menores estavam com os médicos ao lado da cama, tomados de uma dor enorme, à espera da morte do amigo. Então, tocou o sino dos frades para as matinas. Quando a mulher dele ouviu o sino, correu gemendo para a cama, dizendo: “Meu senhor, levanta-te depressa, vai para as matinas, porque o teu sino te chama!”. Imediatamente, aquele que todos criam moribundo deu dois profundos suspiros e tentou balbuciar algumas palavras. Levantando a mão para a espada cravada na garganta, parecia indicar a alguém que devia extraí-lo. Que milagre! De repente a espada voou de onde estava e, diante de todos, foi se cravar na porta da casa como que lançada por um homem muito forte. O homem levantou-se e, perfeitamente incólume, como se estivesse acordando, contou as maravilhas do Senhor.
13 Tão grande estupor tomou conta do coração de todos, que sentiam-se todos fora de si, crendo que o que viam era por uma visão fantástica. Então o que fora curado disse: “Não temais, não acheis que foi ilusão o que vistes, porque São Francisco, de quem sempre fui devoto, acaba de sair daqui e me curou de todos os ferimentos. Aplicou seus sacratíssimos estigmas a cada uma de minhas feridas, aliviando com sua suavidade todos os machucados. Pelo seu contato, como vedes, firmou admiravelmente tudo que estava quebrado. Quando ouvistes o esforço de meu peito murmurante, é porque parecei que, tendo curado carinhosamente todas as outras feridas, o pai santíssimo estava querendo ir embora, deixando a espada na garganta. Como não podia falar, fiz sinal com a mão enfraquecida para que tirasse a espada, perigo especial de morte iminente. Ele a tirou imediatamente e, como vistes, lançou-a com força. Foi assim que, como antes, com seus sagrados estigmas, afagando e esfregando minha garganta ferida, curou-a tão perfeitamente que não se vê mais diferença entre a carne cortada e a que sempre esteve intacta”. Quem não se admiraria com isso? quem vai dizer que o que se fala dos milagres não é totalmente divino?
Capítulo 3
Do poder que teve sobre as criaturas insensíveis e em primeiro lugar sobre o fogo
14 Quando esteve doente dos olhos, o homem de Deus foi obrigado a permitir que o tratassem, chamaram um médico ao lugar. Ele veio, trouxe instrumento de ferro para cauterizar e mandou colocá-lo no fogo até ficar em brasa. O bem-aventurado pai, animando o corpo já abalado pelo medo, assim falou com o fogo: “Meu irmão fogo, o Altíssimo te criou forte, bonito e útil, para emulares a beleza das outras coisas. Sê amigo meu nesta hora, sê cortês, porque eu sempre te amei no Senhor. Rogo ao grande Senhor que te criou, para que abrande um pouco o teu calor, para que queime com suavidade e eu possa agüentar”. Acabada a oração, fez o sinal da cruz e ficou esperando intrepidamente. Quando o médico segurou o ferro tórrido e branco, os frades fugiram por respeito, mas o santo se apresentou ao ferro alegre e sorridente. O instrumento penetrou crepitando na carne delicada e a cauterização se estendeu desde a orelha até o supercílio. As palavras do santo testemunham melhor a dor que ele mesmo sentiu. Quando os frades, que tinham fugido, voltaram, o pai disse sorrindo: “Covardes e fracos de coração, por que fugistes? Na verdade eu vos digo que não senti nem o ardor do fogo nem dor alguma em minha carne”. E para o médico: “Se a carne ainda não está bem cozida, aplica outra vez!” Percebendo a diferença daquele caso, o médico experimentado exaltou o milagre divino: “Eu vos digo, irmãos, que hoje vi maravilhas”. Provavelmente tinha recuperado a inocência primitiva esse homem que amansava, quando queria, o que por si não é manso.
15 Uma vez o bem-aventurado Francisco quis ir a um certo eremitério para se entregar mais livremente à contemplação, mas estava um bocado enfraquecido e conseguiu com um homem pobre um jumento para montar. Como acompanhava o homem de Deus nos dias do verão, subindo a montanha, cansado do caminho por aquela estrada áspera e longa, antes de chegar ao lugar, o rústico se entregou cansado pelo ardor da sede. Ficando para trás, gritou insistentemente pelo santo e pediu que tivesse pena dele: disse que ia morrer se não fosse reanimado com algum pouco de água. O santo de Deus, que sempre tinha compaixão dos aflitos, desceu imediatamente do jumento, ajoelhou-se no chão, estendeu as mãos para o céu e não parou de rezar enquanto não sentiu que tinha sido atendido. Disse, então, ao camponês: “Vai depressa, que ali mesmo encontrarás água para beber, que Cristo produziu da pedra para ti misericordiosamente neste instante”. Estupenda bondade de Deus, que tão facilmente se inclina aos rogos de seus servidores! Um aldeão pôde beber a água da pedra que a virtude de um homem de oração fez brotar da rocha duríssima. Nesse lugar nunca tinha havido um curso de água, nem o puderam encontrar mais tarde, quando foi diligentemente procurado.
16 Gagliano é um castro populoso e nobre na diocese de Sulmona, no qual havia uma mulher chamada Maria, que, convertida a Deus pelos difíceis caminhos deste século, submetera-se toda a São Francisco como serva. Um dia foi a um monte absolutamente seco, para limpar bordos verdes mas se esqueceu de levar água consigo, e começou a desmaiar por causa da sede. Já não podendo trabalhar, deitada no chão quase sem forças, começou a invocar ardorosamente seu patrono São Francisco. Cansada, foi adormecendo. Então, veio São Francisco e a chamou pelo nome: “Levanta-te e bebe da água que, por dom divino, vai ser indicada a ti e a muitos”! A mulher bocejou quando ouviu isso mas voltou a dormir. Chamada mais uma vez, estava cansada demais e recaiu. Na terceira, não pouco confortada pela ordem do santo, levantou-se. Pegando um feto (planta), que estava ao seu lado, arrancou-o da terra. Vendo que a raiz estava toda molhada, começou a cavar ao redor com o dedo e com um pauzinho. De repente, o buraco se encheu de água e o pequeno filete se transformou numa fonte. A mulher bebeu e, saciada, lavou os olhos, com os quais, antes embaciados por longa doença, não podia ver nada com clareza. Seus olhos se iluminaram e, livres das rugas da velhice, pareciam ter uma nova luz. A mulher voltou correndo para casa e contou para todo mundo o milagre estupendo que atribuiu à glória de São Francisco. A fama se espalhou e encheu os ouvidos de todos em outras regiões. Acorreram muitos de toda parte, achacados por diversas doenças e, obtendo antes a saúde das almas pela confissão, lá ficaram curados de seus males. Pois cegos receberam a luz, coxos voltaram a caminhar, inchados voltaram ao normal e houve cura variadas para diversas doenças. A fonte existe e é conhecida até hoje: em honra de São Francisco, construíram aí um oratório.
17 No tempo em que esteve muito doente no eremitério de Santo Urbano, pediu vinho com o rosto sofrido e lhe responderam que não havia nada de vinho. Mandou trazer água e a abençoou com o sinal da cruz. Na mesma hora o elemento mudou de uso, perdeu o sabor próprio e adquiriu um novo. Tornou-se ótimo vinho o que fora água pura, e o que a pobreza não pôde foi dado pela santidade. Quando o provou o homem de Deus melhorou com tanta facilidade que ficou comprovado que a cura maravilhosa foi produzida pela admirável mudança.
18 Na província de Rieti surgira uma peste muito grave que consumia todos os bois de uma maneira tão cruel que mal sobrara algum boi. Certa noite foi comunicado a um homem temente a Deus que deveria ir depressa ao eremitério dos frades, para pegar a água que servira para São Francisco, que lá morava nesse tempo, lavar as mãos ou os pés, aspergindo com ela todo o gado. Levantando-se de manhã, o homem, muito ansioso pelo seu próprio interesse, sem que o santo soubesse, pegou através de outros frades a tal água, que aspergiu sobre todos os bois, de acordo com o mandato recebido. Pela graça de Deus, a peste acabou desde aquela hora, e nunca mais prevaleceu naquela terra.
19 Em diversas regiões a fervorosa devoção de muitas pessoas levava muitas vezes pães e outras coisas de comer para São Francisco benzer. Pela graça de Deus, ficavam muito tempo sem se estragar e os corpos doentes saravam quando os provavam. Também ficou provado que por sua virtude foram afastadas fortes tempestades de trovões e granizo. E a experiência de algumas pessoas confirma como pelo cordão que ele cingiu e por alguns retalhos tirados de suas roupas foram afugentadas doenças e febres, voltando a saúde desejada havia tanto tempo. Pois numa ocasião em que, no dia do Natal ele estava celebrando a memória do menino de Belém no presépio, e repetindo misticamente tudo que acontecera com o menino Jesus, entre diversas maravilhas demonstradas por Deus, o feno tirado do presépio serviu de remédio para a cura de muita gente, principalmente para as mulheres com dificuldades no parto e para todo tipo de animais contagiosos. Sabendo do que aconteceu com criaturas insensíveis, podemos imaginar um pouco o que se passou com as sensíveis.
Capítulo 4
Poder que teve sobre as criaturas sensíveis
20 As próprias criaturas procuravam corresponder ao amor de São Francisco e pagar-lhe com a sua gratidão pelos méritos. Uma vez, quando passava pelo vale de Espoleto perto de Bevagna, parou em um lugar em que se ajuntara a maior multidão de pássaros de todo tipo. Quando o santo de Deus os viu, como amava a todas as criaturas por causa do amor principal de Deus, correu alegremente para o lugar e os saudou como se costuma, como se tivessem o uso da razão. Como as aves não voaram, chegou até elas: ia e voltava pelo meio delas, tocando-lhes as cabeças e corpos com sua túnica. Cheio de admiração e go-zo, exortou-as a ouvir solicitamente a palavra de Deus, dizendo: “Meus irmãos pássaros! deveis louvar muito ao vosso Criador e amá-lo sempre, porque os vestiu de plumas e lhes deu penas para voar. Pois vos fez livres entre todas as criaturas e vos entregou a pureza do ar. Não semeais nem colheis, e Ele vos governa sem que vos preocupeis”. Ouvindo isso, os passarinhos, correspondendo bem do seu jeito, começaram a esticar os pescoços, a estender as asas, a abrir o bico, olhando atentamente para ele. Não saíram do lugar enquanto ele não fez um sinal da cruz, dando-lhes a licença e a bênção. Voltando aos frades, começou a se culpar de negligência porque não tinham pregado antes às aves. Desde esse dia, foi solícito em exortar ao louvor e amor do Criador as aves, os animais e até as criaturas insensíveis.
21 Uma vez foi a um povoado, chamado Alviano, para pregar. Juntou o povo e pediu silêncio, mas quase não conseguia ser ouvido porque uma porção de andorinhas, que tinham ninho naquele lugar, faziam muito barulho. Diante de todos, disse-lhes: “Minhas irmãs andorinhas, já está na hora de eu lhes falar também, porque até agora vocês já disseram o suficiente. Ouçam a palavra de Deus e fiquem quietas até o fim do sermão do Senhor”. Elas, como se tivessem o uso da razão, calaram-se imediatamente e não saíram do lugar até que toda a pregação acabou. Todos os que o presenciaram ficaram cheios de espanto e glorificaram a Deus.
22 Na cidade de Parma, um estudante era tão atormentado pelo barulho de uma andorinha que quase não podia ficar no lugar que lhe era necessário para concentrar-se. Um pouco amolado começou a dizer: “Essa andorinha foi uma daquelas a quem, como lemos, São Francisco mandou fazer silêncio enquanto estava pregando”. E, virando-se para a andorinha, disse: “Em nome de São Francisco mando-te que me permitas pegar-te”. Ela voou na mesma hora para suas mãos. Espantado, o estudante devolveu-a à liberdade, e não ouviu mais o seu chilreio.
23 São Francisco ia atravessando de barca o lago de Rieti, a caminho do eremitério de Grécio. Um pescador ofereceu-lhe um passarinho aquático, para que se alegrasse no Senhor. O bem-aventurado pai recebeu-o com alegria, abriu as mãos e o convidou delicadamente a ir embora. O passarinho não quis ir, mas se aninhou em suas mãos. O santo levantou os olhos para o céu e ficou tempo orando. Depois de um bom tempo, como se estivesse voltando a si de outro lugar, ordenou com bondade à ave que voltasse sem medo para sua primitiva liberdade. Recebendo a licença, e a sua bênção, o passarinho demonstrou sua alegria com um movimento do corpo e voou.
24 Estava, outra vez, de barco no mesmo lago e, quando chegou ao porto, deram-lhe um peixe grande e vivo Como costumava, chamou-o de irmão e o repôs perto da barca. Mas o peixe ficou brincando diante do santo na água, o que o alegrou muito e fez louvar ao Senhor. E o peixe não saiu do lugar enquanto o santo não mandou.
25 Uma vez, São Francisco tinha se retirado para um eremitério, como era seu costume, para escapar da vista e da companhia dos homens. Um falcão que por lá tinha o seu ninho fez com ele um grande pacto de amizade. Pois sempre prevenia com seu canto e barulho para indicar a hora em que o santo costumava levantar-se para os santos louvores. O santo gostava muito disso, porque toda essa atenção que o pássaro demonstrava para com ele impedia todo atraso por preguiça. Quando o santo estava um pouco mais doente que de costume, o falcão o poupava e não dava tão cedo os sinais das vigília. Como se fosse instruído por Deus, tocava de leve, ao amanhecer, o sino de sua voz. Nem é para admirar que as outras criaturas venerassem tanto aquele que mais amou seu Criador.
26 Um nobre do condado de Sena mandou levar um faisão a São Francisco, que estava doente. Este o recebeu alegremente, não pela vontade de comê-lo mas pela alegria que sempre o levava nessas ocasiões ao amor do Criador, e disse ao faisão: “Louvado seja o nosso Criador, irmão faisão!” Depois voltou-se para os frades: “Vamos ver, irmãos, se o irmão faisão prefere morar conosco ou ir para os lugares de costume, que são mais convenientes para ele”. Por ordem do santo, um frade foi levá-lo bem longe, deixando-o em uma vinha. Ele voltou imediatamente para a cela do santo, com passo rápido. Este mandou que o levassem mais longe ainda. O pássaro, com a maior teimosia, voltou para a porta da cela e, mesmo tendo que fazer força por entre os hábitos dos frades que estavam na porta, entrou. Então o santo mandou que cuidassem de alimentá-lo, abraçando-o e conversando carinhosamente com ele. Um médico que era devoto do santo de Deus, quando viu isso, pediu o faisão aos frades, não para comê-lo, mas desejando criá-lo por reverência ao santo. Que mais? Levou-o consigo para casa, mas o faisão, como se tivesse sofrido uma injúria por ter sido afastado do santo, não quis absolutamente comer enquanto não gozou de sua presença. Maravilhado, o médico levou logo o faisão de volta ao santo e contou por ordem tudo que tinha acontecido. Logo que foi posto no chão, ele olhou para o seu pai, esqueceu a tristeza e começou a comer com satisfação.
27 Havia na Porciúncula, ao lado da cela do santo de Deus, uma figueira onde uma cigarra costumava cantar com suavidade. Uma vez, o bem-aventurado pai lhe estendeu a mão e a chamou bondosamente dizendo: “Cigarra, minha irmã, vem cá!” Como se tivesse razão, ela foi logo para sua mão. E ele: “Canta, minha irmã cigarra, louva com júbilo o Senhor Criador!” Ela obedeceu sem demora, começou a cantar e não parou enquanto o homem de Deus, juntando seus louvores ao cântico, não a mandou de volta para o seu lugar. Lá ficou por oito dias, como se estivesse presa. Quando o santo descia de sua cela, tocava-a com as mãos e mandava que cantasse. Ela estava sempre pronta para obedecer-lhe. Disse o santo a seus companheiros: “Vamos despedir nossa irmã cigarra, que já nos alegrou bastante aqui com o seu louvor, para que isso não seja causa de vanglória para nós”. Com sua permissão, ela foi embora, e não apareceu mais por lá. Os frades ficavam admiradíssimos, vendo tudo isso.
28 Morando num lugar pobre, o santo bebia num vaso de barro. Nele, depois que foi embora, as abelhas construíram um favo com sua arte admirável, indicando de modo admirável a contemplação divina que ali tinha haurido.
29 Em Grécio deram a São Francisco um filhote de lebre, vivo e são. Ele o soltou para ir onde quisesse mas, quando o santo o chamou, correu e saltou para o seu colo. O santo o acolheu com bondade e o admoestou docemente para não se deixar mais prender. Deu-lhe a bênção e mandou que voltasse para o mato.
30 Coisa semelhante aconteceu com um coelho, que é um animal bem pouco doméstico, quando o santo morava numa ilha do lago de Perusa.
31 Uma vez que o homem de Deus estava viajando de Sena para o vale de Espoleto, chegou a um campo em que pastava não pequeno rebanho de ovelhas. Saudou-as com bondade, como era seu costume, e elas correram para ele, levantando a cabeça e aplaudindo-o com a saudação de grandes balidos. Seu vigário, com olho mais atento, tomou nota do que elas tinham feito e comentou com os outros companheiros, andando com passo mais vagaroso: “Vistes o que as ovelhas fizeram com o santo pai? Na verdade”, disse, “grande é este homem que até os brutos veneram como pai, e os que não gozam de razão reconhecem como amigo”.
32 As cotovias, aves amigas da luz do dia e que têm horror ao escuro do crepúsculo, na tarde em que São Francisco passou do mundo para Cristo, quando já estava para chegar o crepúsculo da noite, vieram para cima do telhado da casa e ficaram volteando muito tempo com grande alarido, cantando a seu modo, não sabemos se para demonstrar o gozo ou a tristeza. Ressoava um júbilo choroso e um choro jubiloso, seja porque chorassem a orfandade como filhas, seja por pressentirem que o pai se aproximava da glória eterna. Os guardas da cidade, que vigiavam o lugar com solicitude, convidaram outros, cheios de espanto e admiração.
Capítulo 5
Como a bondade de Deus se punha à disposição de Francisco
33 Não eram só as criaturas que serviam à vontade deste homem, pois o próprio Criador condescendia em toda parte com sua providência. Sua clemência paterna se adiantava aos seus desejos e acorria antecipadamente com solicitude porque a ela se havia confiado. Manifestavam-se ao mesmo tempo a necessidade e a graça, o desejo e o socorro. No sexto ano de sua conversão, inflamado em veemente desejo do martírio, quis navegar para a Síria. Entrou em um navio que ia para lá, mas sopravam ventos contrários e foi parar com os outros navegantes na região da Esclavônia. Vendo-se frustrado em tão forte desejo, pediu pouco tempo depois a uns marinheiros que iam para Ancona que o levassem. Como eles se recusassem firmemente a fazer isso, por falta de pagamento, confiou muito na bondade do Senhor e entrou escondido no navio com o seu companheiro. Apresentou-se logo a providência divina: uma pessoa que ninguém conhecia chegou trazendo provisões. Chamou um homem temente a Deus a que ia no navio e lhe disse: “Leva contigo tudo isto e, no tempo da necessidade, deverás dá-lo fielmente aos pobres que estão escondidos nesse navio”. E assim aconteceu que, levantando-se uma tempestade enorme, passaram dias lutando com os remos e consumiram todas as provisões, sobrando apenas a comida do pobre Francisco. A qual, pela graça e o poder de Deus, multiplicou-se de tal modo que, embora tenham passado muitos outros dias a navegar, foi suficiente para satisfazer bem a necessidade de todos, até chegarem ao porto de Ancona. Quando os marinheiros viram que tinham escapado dos perigos do mar por intermédio do servo de Deus Francisco, deram graças a Deus todo-poderoso, que em seus servidores sempre se mostra bondoso e admirável.
34 São Francisco, voltando da Espanha porque não tinha conseguido ir a Marrocos como desejava, caiu em gravíssima doença. Aflito pela necessidade e pelo sofrimento, levado pela rusticidade de quem o hospedou, perdeu a fala por três dias. Quando, afinal, recuperou as forças, caminhando pela estrada com Frei Bernardo, disse que, se tivesse, comeria um pedaço de um passarinho. Apareceu então um cavaleiro no campo, carregando uma ave muito boa, e disse a São Francisco: “Servo de Deus, recebe com cuidado o que a clemência divina te manda”. Ele recebeu o presente com alegria e, compreendendo que Cristo estava cuidando dele, abençoou-o por tudo.
35 Quando estava doente no palácio do bispo de Rieti, vestido com uma pobre túnica velha, o pai dos pobres disse uma vez a um de seus companheiros, que constituíra como guardião: “Gostaria, irmão, se fosse possível, que me arranjasses pano para uma túnica”. Ouvindo isso, o frade ficou pensando em como poderia adquirir esse pano tão necessário e tão humildemente pedido. No dia seguinte, saiu à porta bem cedo para ir à cidade arranjar o pano. Mas eis um homem sentado junto à porta, querendo falar com ele. Disse-lhe: “Por amor de Deus, recebe esta fazenda para fazer seis túnicas, guarda uma para ti e distribui as outras como te aprouver, pela salvação de minha alma”. O frade voltou muito alegre para junto do bem-aventurado Francisco e contou como tinha recebido esse presente do céu. O pai disse: “Recebe as túnicas, porque esse homem foi enviado para satisfazer dessa forma a minha necessidade. Demos graças àquele que parece que só precisa cuidar de nós ”.
36 Quando o bem-aventurado varão morava em um eremitério, visitava-o um médico, todos os dias, para cuidar de seus olhos. Certo dia, disse o santo aos frades: “Convidai o médico e dai-lhe um bom almoço”. O guardião respondeu-lhe: “Pai, digo ruborizado que tenho vergonha de convidá-lo, porque somos muito pobres”. O santo respondeu dizendo: “Homem de pouca fé, o que quer mais que eu diga?” E o médico, que estava presente, disse: “Eu também, irmãos caríssimos, vou achar que é uma delícia partilhar de vossa penúria”. Os frades correram e puseram na mesa toda a provisão da sua dispensa, isto é, um pouquinho de pão, não muito vinho e, para comerem alguma coisa melhor, alguns legumes trazidos da cozinha. Nesse meio tempo, a mesa do Senhor teve pena da mesa dos servos: bateram à porta, um frade foi atender, e era uma mulher que lhes deu uma cesta cheia: um belo pão, peixes e pastéis de camarão, coroados, por cima, com mel e uvas. Diante de todas essas coisas, a mesa dos pobres se alegra e, deixando os pratos miseráveis para o dia seguinte, come hoje os mais preciosos. Suspirando, o médico falou dizendo: “Irmãos, nem vós religiosos nem nós seculares sabemos apreciar devidamente a santidade deste homem”. Teriam ficado saturados, se não os tivesse satisfeito mais o milagre que a comida. Pois é assim que o olhar paterno de Deus jamais despreza os seus; pelo contrário, serve-os com providência maior quanto mais são necessitados.
Capítulo 6
Sobre a Senhora Jacoba de Settesoli
37 Jacoba de Settesoli, notável por sua nobreza e igual santidade na cidade de Roma, merecera o privilégio de uma afeição particular da parte do santo. Não preciso lembrar aqui, para honrá-la, suas origens ilustres, a dignidade da família, o esplendor das riquezas, nem a perfeição de suas virtudes e sua vida exemplar na longa viuvez. Quando o santo jazia por aquela doença que, no fim de todo sofrimento, consumou a carreira feliz com um final bem-aventurado, poucos dias antes da morte, quis enviar uma mensagem a Roma à Senhora Jacoba, comunicando-lhe que se apressasse caso desejasse ver retornar a sua pátria aquele que ela tanto amara em sua condição de exilado. Escreveu-se uma carta, procurou-se um mensageiro capaz de ir a todo galope a Roma, e ele se preparou para a viagem. Diante da porta, no mesmo instante, ouve-se o barulho de cavalos, o rumor de soldados e o ruído de uma comitiva. Um dos companheiros, justamente o que preparava a partida do mensageiro, foi à porta e encontrou aquela que procurava como ausente. Todo admirado, correu rapidíssimo para o santo e, sem se conter de tanta alegria, disse: “Eu te trago boas novas, pai!” Antes de ouvir, o santo respondeu imediatamente: “Bendito seja Deus que nos enviou nosso irmão, Senhora Jacoba! Abri as portas e introduzi-a, pois o decreto sobre as mulheres não deve ser observado por Frei Jacoba”.
38 Houve muita exultação entre os nobres hóspedes, e uma profusão de lágrimas por entre as ternuras do espírito. E para que nada faltasse ao milagre, descobriu-se que a santa mulher trouxera tudo que havia na carta, já antes escrita, para as exéquias do pai: um pano cinza para envolver o pequeno corpo do que estava partindo, muitas velas, um sudário para o rosto, um travesseiro para a cabeça, e mesmo alguns daqueles bolos que o santo apreciava. Tudo o que o espírito dele tinha desejado fora sugerido por Deus. Vou narrar o evento dessa peregrinação, para não deixar sem consolação a nobre peregrina. Uma grande multidão, sobretudo da população devota de Assis, esperava o próximo nascimento do santo pela morte. Mas, pela chegada da piedosa romana, o santo ficou mais forte, e se espero que fosse vencer mais um pouquinho. Por isso a senhora quis despedir a comitiva, ficando só ela com os filhos e alguns escudeiros. O santo disse: “Não, porque vou morrer no sábado; partirás domingo de volta com todos”. Assim foi feito: na hora anunciada, aquele que lutara com bravura na Igreja militante entrou na triunfante. Não vou falar do povo que acorreu, das vozes jubilosas, dos sinos solenes, dos rios de lágrimas, do choro dos filhos, dos soluços dos amigos e dos suspiros dos companheiros. Vou contar como a peregrina, que ficou sem a consolação do pai, pôde ser confortada.
39 O vigário do santo levou-a à parte, em segredo, toda banhada em lágrimas, e colocou em seus braços o corpo do amigo: “Vem, disse, recebe também defunto aquele que amaste quando vivia”. Derramando lágrimas ainda mais quentes sobre o corpo, ela gemia e soluçava, repetindo lânguidos abraços e beijos. Afastou o sudário para velo revelado. Que mais? Contemplou aquele vaso precioso em que estivera escondido um tesouro tão precioso, ornado por cinco pérolas. Observou aquelas marcas que só a mão do Onipotente fizera para serem admiradas em todo o mundo. Plenificada pelas inusitadas alegrias, reviveu no amigo morto. Logo lhe pareceu que tão inaudito milagre não devia ser dissimulado nem ficar de alguma maneira encoberto: tinha que ser posto diante dos olhos por um plano providencial. Por isso todos começaram a acorrer à porfia para ver o espetáculo e admiraram espantados como Deus não fizera assim em nenhuma outra nação. Suspendo a pena: não quero balbuciar sobre o que não poderia explicar. João de Frangipani, então menino, futuro procônsul de Roma e conde do Sagrado Palácio, atesta com juramento, para confusão de todos os céticos, tudo o que ele então livremente em companhia de sua mãe pôde ver com seus olhos e tocar com suas mãos. Retorne agora a peregrina à sua cidade, consolada com o privilégio da graça, e nós, depois da morte do santo, passemos a outros fatos.
Capítulo 7
Sobre os mortos ressuscitados pelos méritos do bem-aventurado Francisco
40 Vou falar dos mortos ressuscitados pelos méritos do confessor de Cristo e peço que estejam atentos os que ouvem e lêem. Para ser breve, vou omitir muitos pormenores e, sem falar das solenidades dos admiradores, vou contar só as coisas maravilhosas. Na aldeia de Monte Marano, perto de Benevento, uma dama de nobre linhagem, e mais nobre pelas virtudes, tinha particular devoção a São Francisco e rendia-lhe um culto fiel e reverente. Ficou doente, chegou às últimas e entrou no caminho de toda carne. Morta perto do ocaso do sol, adiaram o sepultamento para o dia seguinte, para poder juntar o grupo numeroso dos queridos. À noite vieram os clérigos com os saltérios para cantar as exéquias e vigílias, cercados por uma multidão de orantes de ambos os sexos. De repente, à vista de todos, levanta-se no leito a mulher, chama um dos sacerdotes presentes, seu padrinho, e diz- lhe: “Pai, quero confessar-me; ouve o meu pecado! Eu morri, de fato, e deveria estar agora encerrada num duro cárcere por ainda não ter confessado o pecado que desejo revelar-te. Mas São Francisco, de quem sempre fui muito devota, orou por mim e foi-me concedido voltar ao meu corpo para poder confessar-me e obter o perdão do meu pecado. Logo que o tiver confessado, partirei na vossa presença para o descanso prometido”. Confessou-se tremendo ao sacerdote que também tremia e, recebida a absolvição, recolheu-se ao leito e adormeceu felizmente no Senhor. Quem poderá celebrar condignamente a bondade de Cristo? Quem poderá enaltecer com dignos louvores a eficácia da confissão e os méritos do santo?
41 Para mostrar como todos devem receber com profundo amor o dom admirável de Deus que é a confissão, e também para esclarecer como este santo sempre gozou de um mérito singular diante de Cristo, é preciso contar o que ele manifestou de maneira notável enquanto vivia no mundo, e aquilo que Cristo revelou sobre ele ainda melhor depois da morte. Uma vez que o bem-aventurado pai Francisco foi a Celano para pregar, um cavaleiro lhe suplicou com devoção e insistentemente que fosse almoçar em sua casa. Ele resistiu bastante mas no fim foi vencido pela insistência importuna. Chegou a hora da refeição e a mesa foi esplendidamente preparada. O hospedeiro e toda sua família ficaram exultantes com a chegada dos pobres. O bem-aventurado Francisco ficou em pé, levantou os olhos para o céu e chamou à parte o hospedeiro. “Irmão hospedeiro, disse-lhe, dobrando-me aos teus pedidos, entrei em tua casa para comer! Agora obedece depressa ao meu conselho, porque não comerás aqui mas em outro lugar! Confesse os teus pecados com toda contrição, e não deixes nada que tenhas que manifestar numa verdadeira confissão. Hoje o Senhor vai te recompensar porque recebeste seus pobres com tanta devoção”. O homem concordou com as palavras santas na mesma hora e, chamando o companheiro de São Francisco, que era sacerdote, contou-lhe em verdadeira confissão todos os pecados. Preparou sua casa e ficou esperando, sem dúvidas, que se cumprisse a palavra do santo. Afinal, foram para a mesa e, começaram a comer. Depois de fazer o sinal da cruz, ele mesmo, tremendo, estendeu a mão para o pão. Mas antes de sua mão voltar, inclinou a cabeça e exalou o espírito. Como devemos amar a confissão dos pecados! Um morto ressuscita para confessar-se e um vivo, para não perecer eternamente, é libertado pelo benefício da confissão!
42 O filhinho de um notário da cidade de Roma, de sete anos apenas, quando a mãe ia para a igreja de São Marcos para ouvir uma pregação, desejando seguí-la como uma criança, mas ela não deixou e ele ficou desassossegado, pulando pela janela da casa, não sei se por algum instinto diabólico. Quando se chocou com o chão, experimentou a morte, que é comum para todos. A mãe, que ainda não estava longe, ao ouvir o baque da queda, suspeitando do drama de seu tesouro, voltou correndo e encontrou o filho exânime. Logo voltou contra si mesma as mãos vingadoras; a vizinhança acorreu aos seus lamentos e chamaram médicos para o morto. Será que poderiam ressuscitar um morto? Passara a hora de prognósticos e dietas, e os médicos só podiam explicar mas não ajudar quem já estava nas mãos de Deus. Os médicos declararam morto aquele que já não tinha mais calor nem vida, movimento ou força. Frei Rao, da Ordem dos menores, pregador conhecidíssimo em toda Roma, ia indo para pregar e chegou perto do menino. Cheio de confiança, disse ao pai: “Crês que Francisco, o santo de Deus, pode ressuscitar teu filho dos mortos pelo amor que sempre teve pelo Filho de Deus, nosso Senhor Jesus Cristo?”. O pai respondeu: “Creio firmemente e o confesso. Serei seu servo para sempre e vou visitar solenemente seu lugar sagrado”. O frade ajoelhou-se em oração com o seu companheiro e exortou todos a rezarem. Feito isso, o menino começou a bocejar um pouco, a mexer os braços e a se erguer. A mãe correu para abraçar o filho, o pai não se continha de alegria, e todo o povo, cheio de admiração, louvava em voz alta Cristo e seu santo. O menino logo começou a andar na frente de todos e voltou a viver muito bem.
43 Os frades de Nocera pediram um carro de que necessitavam por um certo tempo a um homem chamado Pedro, que lhes respondeu estupidamente: “Prefiro arrancar o couro de dois de vocês com o seu São Francisco, mas não empresto o carro”. Mas logo se arrependeu de ter dito uma coisa tão grave e, batendo na boca, pedia perdão. Tinha medo de um castigo, como, de fato, logo aconteceu. De noite, viu em sonhos sua casa cheia de homens e mulheres, que dançavam muito felizes. Na mesma hora seu filho, chamado Gafaro, ficou doente e, pouco depois, exalou o espírito. As danças que vira tornaram-se luto e a alegria virou lamento. Lembrou-se da blasfêmia que dissera contra São Francisco e a pena fez com que compreendesse como fora grave a culpa. Rolava pelo chão e não parava de invocar São Francisco, dizendo: “Fui eu que pequei; era a mim que devias castigar. Ó santo, devolve ao penitente o filho que tiraste a quem blasfemou impiamente! Rendo-me a ti, estarei sempre às tuas ordens. Vou te ofertar sempre todas as primícias”. Coisa admirável! A essas palavras levantou-se o menino e, mandando parar o choro, contou a causa de sua morte. “Quando eu estava morto, contou, o bem-aventurado Francisco veio e me levou por uma rua escura e muito comprida. Depois me pôs num jardim tão bonito e agradável que não se pode comparar com nada deste mundo. Depois me trouxe de volta pelo mesmo caminho e me disse: “Volta para teu pai e tua mãe; não quero te reter mais tempo aqui. E aqui estou de volta, como ele quis.
44 Na cidade de Cápua, quando um menino estava brincando descuidadamente com outros na margem do rio Volturno, caiu da beira do rio no lugar mais profundo. A corrente do rio arrastou-o rapidamente, sepultando-o morto embaixo da areia. Aos gritos dos meninos que estavam brincando com ele perto do rio, chegaram rapidamente muitos homens e mulheres que, sabendo o que tinha acontecido com o menino, rezavam chorando: “São Francisco, devolve o menino ao pai e ao avô, que trabalham a teu serviço!” De fato, o pai e o avô do menino tinham ajudado como podiam numa igreja construída em honra de São Francisco. Então, enquanto todo o povo estava invocando suplicante e devotamente os méritos de São Francisco, um nadador que estava longe ouviu os gritos e se aproximou. Sabendo que já fazia uma hora que o menino tinha caído no rio, invocou o nome de Cristo e os méritos de São Francisco, tirou a roupa e se jogou despido no rio. Como não sabia o lugar em que o menino tinha caído, começou a procurar atentamente por toda parte, nas margens e no fundo do rio. Afinal, por vontade de Deus, descobriu o lugar em que o lodo tinha coberto o cadáver do menino como um túmulo. Escavando e tirando-o para fora, constatou com dor que o menino estava morto. Mas as pessoas que estavam por lá, quando viram o jovem morto, choravam e gritavam: “São Francisco, devolve o menino ao seu pai!”. Ele mesmo, e alguns judeus que apareceram, provocados pela piedade natural, diziam: “São Francisco, devolve o menino a seu pai!”. O bem-aventurado Francisco, como se vê pelo que aconteceu, movido pela devoção e pelas preces do povo, ressuscitou imediatamente o menino morto. Quando ele se levantou, para alegria e admiração de todos, pediu suplicantemente que o levassem à igreja de São Francisco, afirmando que tinha sido ressuscitado por graça dele.
45 Na cidade de Sessa, no bairro chamado “das Colunas”, o diabo, perdedor das almas e assassino dos corpos, derrubou uma casa, desmoronando-a. Tinha tentado matar muitos meninos que estavam brincando perto dessa casa, mas só atingiu um jovem, que a casa matou na hora quando caiu. Homens e mulheres, alertados pelo barulho da casa caindo, correram de todo lado e, tirando aqui e ali algumas vigas, entregaram o filho morto à pobre mãe. Ela, arranhando o rosto e os cabelos, soluçando com muita amargura, derramando lágrimas como rios, gritava quanto podia: “São Francisco, São Francisco, devolve o meu filho!”. Não só ela, mas todos os presentes, homens e mulheres, choravam amargamente, dizendo: : “São Francisco, devolve o filho da infeliz mãe!”. Depois de uma hora, a mãe, recuperando-se de tamanha dor, fez este voto: “Ó São Francisco, devolve a esta pobre o seu filho amado e eu vou enfeitar teu altar com um fio de prata e cobrir com uma toalha nova, acendendo velas em toda a volta da tua igreja!”. Puseram o cadáver na cama, porque já era noite, e esperaram o dia seguinte para sepultá-lo. Mas lá pela meia noite o menino começou a bocejar, seus membros se aqueceram e, antes de amanhecer o dia, reviveu de uma vez e prorrompeu em louvores. Todo o povo e o clero, vendo que ele estava curado e incólume, deram graças a São Francisco.
46 In castro Pomarico, in montanis Apuliae posito, patri et matri unica erat filia, in tenera aetate tenere praedilecta. Et quoniam successionem non sperabant aliam affuturam, illa totius amoris materia, illa omnis causa sollicitudinis erat eis. Infirmata namque ad mortem, puellae pater et mater se mortuos reputabant. Diebus igitur et noctibus, sollicitis nimis vigiliis circa puellae custodiam insistentes, mane quodam illam mortuam invenerunt. Forte subreptione somni vel vigiliarum labore aliqua negligentia intervenit. Orbata sic mater dulci prole, speque prolis amissa, videtur et ipsa mori. Conveniunt parentes et convicini ad flebile nimis funus, et tumulare properant exanime corpus. Iacet mater infelix ineffabilibus completa doloribus, et absorpta suprema tristitia de iis quae fiunt nihil advertit. Interim sanctus Franciscus, uno tantum socio comitatus, visitat desolatam, et placitis affatur colloquiis. “Noli flere”, inquit, “nam lucernae tuae penitus iam exstinctae (cfr. Luc 7,13; 2Re 21,17) lumen, ecce, restituam! Surgit extemplo mulier, et quae sibi dixerat sanctus Franciscus omnibus manifestans, non permisit exstinctum corpus alibi deportari. Et conversa mater ad filiam, invocans sancti nomen, eam vivam et incolumem allevavit. Stuporem qui videntium corda replevit et parentum gaudium inexpertum alteri relinquimus exprimendum.
47 Na Sicília, um rapaz chamado Gerlandino, originário de Ragusa, foi trabalhar com os pais na vinha, no tempo da vindima. Tinha descido à tina do vinho, para encher os odres, e se colocou embaixo do lagar quando, de repente, movendo-se as vigas da estrutura, as grandes pedras com que se espremiam as uvas esmagaram sua cabeça com uma pancada mortal. O pai correu para o filho e, tomado pelo desespero, não ajudava a remover o peso , deixando-o como tinha caído. Vieram depressa os vinhateiros, quando ouviram os enormes gritos tristes, e, com pena do pobre pai, tiraram o filho dos escombros. Pondo-o à parte, envolveram o corpo exânime e e só pensavam em sepultá-lo. Mas o pai dele lançou-se de joelhos aos pés de Jesus, para que se dignasse, pelos méritos de São Francisco, cuja festa estava próxima, restituir-lhe o filho único. Reduplicou as preces, fez voto de obras de piedade, e prometeu visitar logo que possível o túmulo do santo. Nesse meio tempo veio a mãe, à tarde, e, desesperada, jogou-se sobre o filho morto, chorando e levando todos a chorar. De repente o jovem se levantou e admoestou os que estavam chorando, alegre por ter sido devolvido à vida graças à ajuda de São Francisco. Então as pessoas que estavam reunidas elevaram louvores ao que está nos céus, que por seu santo livrou o jovem do laço da morte.
48 O santo ressuscitou mais um morto na Alemanha, como foi testemunhado numa carta apostólica pelo senhor papa Gregório, no tempo da translação de São Francisco, aos frades que tinham vindo para essa cerimônia e para o capítulo, do que muito se alegraram. Não escrevi a narração desse fato porque não o conhecia, mas acho que o testemunho do papa é melhor que qualquer outro meio. Mas agora vamos passar a outros, que ele arrancou das próprias garras da morte.
Capítulo 8
Sobre as pessoas que ele libertou da boca da morte.
49 Em Roma, um cidadão nobre, chamado Rodolfo, tinha uma torre bastante alta e, em cima da torre, conforme o uso, um guarda. Uma noite o guarda dormiu profundamente lá no alto da torre e, como estava deitado numa armação de madeira posta bem na parte saliente da torre, ou porque se soltou a amarra de repente ou porque se quebrou lá em cima, ele foi jogado com os paus no precipício, caiu no teto do palácio, e daí chegou ao chão. Com o forte ruído, toda a família acordou e o cavaleiro, suspeitando algum assalto, apareceu armado. Vibrou a espada desembainhada sobre o homem prostrado, querendo ferir um adormecido, sem reconhecer que era o guarda. Mas a esposa do cavaleiro, temendo que fosse seu irmão, que era inimigo de morte daquele homem, não o deixou ferí-lo, jogando-se sobre o caído para defende-lo. Que admirável aquele sono profundo! O adormecido não acordou nem com os dois tombos nem com o enorme ruído. Finalmente, sacudido por uma mão solicita, acordou e como se o estivessem tirando de um doce descanso, disse a seu senhor: “Por que estais perturbando o meu sono? Nunca descansei tão suavemente, pois estava dormindo bem gostoso nos braços de São Francisco”. Quando foi informado pelos outros sobre a queda, e se viu embaixo quando adormecera lá no alto, espantou-se de não ter percebido nada. Logo prometeu diante de todos que faria penitência e, recebendo a licença de seu senhor, fez uma peregrinação. A senhora fez um bonito paramento sacerdotal que deu aos frades que moravam em sua aldeia fora de Roma, para reverenciar e honrar o santo. As Escrituras exaltam o mérito da hospitalidade, e os exemplos o provam. De fato, o referido senhor, por reverência a São Francisco, recebera naquela noite dois frades menores, que também correram com os outros quando o criado caiu.
50 Na aldeia de Pofi, na Campânia, um sacerdote chamado Tomás foi com diversos homens consertar um moinho de sua igreja. Mas abaixo do moinho havia uma garganta profunda, onde escorria um canal bastante caudaloso. Andando o sacerdote descuidado pela beira do canal, de repente caiu lá dentro, sendo levado depressa pela correnteza para as pás que moviam o moinho. Ficou preso imóvel nas tábuas, totalmente incapaz de se mover. Do jeito que estava deitado, corria sobre o seu rosto o ímpeto das águas, impedindo-o miseravelmente de ouvir e de enxergar. Já não tinha boca mas apenas o coração para invocar debilmente a São Francisco. Ficou assim prostrado por muito tempo e os companheiros voltaram correndo, já sem esperança de salvá-lo. Um moleiro disse: “Vamos virar com força o moinho ao contrário, para que solte o cadáver”. Apoiaram-se com força, fizeram a mó virar ao contrário e viram que o corpo libertado ainda respirava na água. Enquanto o sacerdote continuava a revirar-se semivivo na água, apareceu um frade menor, vestido de alva e cingido com um cordão, e o puxou para fora do canal pelo braço, com grande suavidade, dizendo: “Eu sou Francisco, que invocaste”. Assim libertado, ele ficou assustado e corria para cá e para lá dizendo: “Frei, Frei!”. E para os que o rodeavam: “Onde ele está? Por onde foi embora?” A tremer aqueles homens caíram ajoelhados no chão, glorificando a Deus e a seu santo.
51 Na província de Capitanata, alguns meninos do burgo de Celano tinham saído juntos para colher ervas. Naquela região campestre havia um velho poço, cuja boa estava coberta por um mato viçoso, mas que continha uns quatro passos de água. Enquanto os meninos corriam de um lado para o outro, de repente um deles caiu no poço. Quando sofreu o naufrágio terrestre, invocou o sufrágio celeste. “São Francisco”, disse enquanto estava caindo, “me ajuda!”. Os outros, andando para lá e para cá, enquanto o outro menino não aparecia, buscavam-no com gritos, rodeio e lágrimas. Por fim chegaram à boca do poço e, pelos sinais deixados na erva que estava se levantando outra vez, perceberam que o menino caíra lá dentro. Correram chorando para o burgo, chamaram uma porção de homens e voltaram, considerando-o já perdido. Um homem foi baixado no poço por uma corda e viu que o menino estava na superfície da água, sem ter sofrido nenhuma lesão. Tirado do poço, o menino contou a todos os presentes: “Quando caí de repente, invoquei a proteção do bem-aventurado Francisco, que logo se apresentou enquanto eu caía e estendendo uma mão me segurou delicadamente, e não me deixou equanto não me tirou do poço junto de vós”.
52 Tinham desistido da cura de uma menina de Ancona, acabada por mortal doença, e já faziam preparativos para sua morte e enterro. Já no fim da respiração, apareceu São Francisco, dizendo-lhe: “Confia, filha, porque por minha graça já estás plenamente livre. E não contarás a ninguém esta cura que te dou, até de tarde”. Quando chegou a tarde, ela se levantou de repente na cama, assustando e pondo em fuga os que estavam presentes. Achavam que o demônio tinha invadido ocorpo da que estava expirando e que, com a saída da alma, o mau sucessor entrava. A mãe teve a coragem de chegar mais perto e, multiplicando conjurações contra o que julgava o demônio, tentou recostá-la na cama. Disse-lhe a filha: "Mãe, não pense que é demônio , porque na terceira hora o bem-aventurado Francisco me curou de toda doen~ca, mandando que nâo dissesse nada a ninguém até agora". Por causa do nome de Francisco houve uma estupenda alegria para aqueles a quem o demônio tinha sido causa de fuga. Obrigaram na mesma hora a menina a comer galinha, mas ela não quis comer, porque estavam na quaresma maior. "Não tenham medo! Não estão vendo São Francisco vestido de branco? Ele me está mandando não comer carne, porque é quaresma, e ordenou que desse a túnica fúnebre para uma mulher que está na cadeia. Olhem agora, olhem e vejam que está indo embora!".
53 Numa casa de Netuno havia três mulheres, uma das quais era muito devota dos frades e devotíssima de São Francisco. Abalada pelo vento, a casa ruiu, esmagou, matou e enterrou duas delas. São Francisco, tacitamente invocado, apareceu logo e não permitiu que sua devota fosse ferida. De fato, a parede em que a mulher estava encostada ficou intacto na altura dela, e uma trave que caiu do alto se ajustou de tal forma que sustentou todo o peso do desmoro-namento. As pessoas que acorreram ao ruído do desastre choraram pelas duas mortas e agradeceram a São Francisco pela amiga dos frades que ficou viva.
54 Em Corneto, aldeia respeitável e poderosa da diocese de Viterbo, quando estavam fundido um sino nada leve na casa dos frades e se haviam reunido muitos amigos dos frades para ajudar nesse trabalho, depois de terem feito a fundição começaram a almoçar com grande alegria. Mas um menininho de apenas oito anos, chamado Bartolomeu, cujo pai e tio tinham suado com muita devoção na fundição, levou alguma coisa aos comensais. De repente, soprou uma ventania violenta, abalando a casa e um enorme turbilhão jogou sobre o menino a porta da casa, que era grande e muito pesada. O peso era tanto que acharam que ele, oprimido pelo grande pêso, tinha morrido esmagado. Na realidade jazia tão completamente enterrado pelo peso que não aparecia nada dele. Depois da fusão veio a confusão e o luto dos amargurados sucedeu ao banquete dos comensais. Todos se levantaram da mesa e o tio com os outros, invocando São Francisco, correu para a tábua. Mas o pai, que ficou paralisado pela dorj e não conseguia se mover, fazia promessas e oferecia o filho a São Francisco. Tiraram o funesto peso de cima do menino e viram que aquele que julgavam morto apareceu alegre, como se estivesse acordando de um sono, sem sinal nenhum de ferimento. Depois da confusão veio uma nova infusão de alegria e, interrompendo o almoço, houve uma grande exultação. Ele mesmo me testemunhou que enquanto esteve embaixo do peso ficou sem nenhum sinal de vida. Por isso, com quatorze anos, fez-se frade menor, vindo a ser um literato e eloqüente pregador na Ordem.
55 Um menininho da mesma aldeia engoliu um alfinete de prata que o pai tinha posto em sua mão, e ficou com a garganta bloqueada, tanto que não podia mais respirar de modo algum. O pai chorava amargamente, achando que tinha matado o filho, e se revirava pelo chão como um doido. A mãe, descabelada, se arranhava toda, deplorando o trágico acontecimento. Todos os amigos, tomaram parte em toda essa dor, lamentando que um menino sadio tivesse sido arrebatado por uma morte repentina. O pai invocou os méritos de São Francisco, fazendo um voto para que libertasse o filho. De repente, o menino expeliu o alfinete pela boca, bendizendo com todos o nome de São Francisco.
56 Um homem da aldeia de Ceprano, chamado Nicolau, caiu certo dia na mão de inimigos cruéis. Com uma raiva feroz feriram-no muitas vezes, e não pararam de atacá-lo enquanto não o julgaram já morto ou a ponto de morrer. Finalmente, deixando-o meio morto, afastaram-se ensangüentados. Mas o referido Nicolau gritara bem alto, quando recebeu os primeiros golpes: “Ajuda-me, São Francisco, socorre-me, São Francisco!”. Muitos ouviram de longe esse grito, mas não podiam levar-lhe ajuda. Levado para casa, todo sujo de seu sangue, clamava que não ia morrer nem estava sentindo dores, porque São Francisco o socorrera e porque implorara o Senhor para fazer penitência. De fato, quando lavaram o sangue, ficou livre, contra toda esperança humana.
57 Uns homens de Lentini cortaram de um monte uma grande laje de pedra, que queriam colocar em cima do altar de uma igreja de São Francisco, que devia ser consagrada dentro de pouco tempo. Mas quando cerca de quarenta homens estavam tentando colocar a laje sobre um veículo, depois de várias tentativas, a pedra caiu sobre um homem e o cobriu como um sepulcro. Confusos, sem saber o que fazer, a maior parte dos homens foi embora desesperada. Dez homens que ficaram invocavam com voz lúgubre São Francisco, para que não deixasse que, a seu serviço, morresse um homem assim desesperadamente. O homem sepultado jazia meio morto, e com o espírito de vida que ainda tinha invocava o auxílio de São Francisco. Finalmente, recobrando coragem, aqueles homens tiraram a pedra com tanta facilidade que ninguém duvidou de que estivesse presente a mão de São Francisco. O homem levantou-se incólume, e o que quase ficara morto reviveu plenamente; recuperou a luz dos olhos, que antes estava enfraquecida, fazendo com todos entendessem o que valem as obras de Francisco nas situações desesperadas.
58 Em São Severino das Marcas aconteceu algo parecido, digno de ser recordado. Com a força de muitos homens estavam carregando rapidamente uma pedra enorme, vinda de Constantinopla para a fonte de São Francisco, quando alguém caiu embaixo dela: achavam que não só tinha morrido mas estava todo esmagado. De repente, assim lhe pareceu e ficou demonstrado, apresentou-se São Francisco, que levantou a pedra e o tirou para fora sem nenhum machucado. Assim aconteceu que o foi terrível de ver tornou-se admirável para todos.
59 Bartolomeu, cidadão de Gaeta, quando estava suando bastante na construção de uma igreja de São Francisco, queria colocar uma trave no edifício. Mas, mal colocada, a trave caiu e lhe esmagou gravemente a cabeça. Com muito sangue a correr, sobrando-lhe um fio de alento, pediu o viático a um frade. Como não conseguiu encontrá-lo depressa e parecia que o homem ia logo morrer, citou-lhe a frase de Santo Agostinho: “Tem fé que será como se tivesses comido!”. Na noite seguinte, apareceu-lhe São Francisco com onze frades e, carregando um cordeirinho no peito, chegou perto da cama dele e o chamou pelo nome dizendo: “Não tenhas medo, Bartolomeu, o inimigo não vai prevalecer contra ti. Ele quis te impedir no meu serviço mas vais levantar curado! Este é o cordeiro que pediste e que recebeste por teu bom desejo. Pois o frade te deu um bom conselho”. E assim, passando a mão pelas feridas, mandou que ele voltasse ao trabalho que tinha começado. Levantou-se bem cedo e apresentou-se incólume e sadio aos que o tinham deixado meio morto, causando-lhes admiração e espanto. Na verdade, pela cura inesperada, todos achavam que estavam vendo um fantasma e não um homem, enxergando o espírito e não a carne. Mas como estamos falando de edifícios construídos em honra deste santo, achei bom colocar aqui um milagre bem admirável.
60 Numa ocasião, dois frades menores assumiram um trabalho nada fácil para construir uma igreja em honra do pai São Francisco na aldeia de Peschici, na diocese de Siponto, e não tinham o que era necessário para a construção. Uma noite, quando se levantaram do sono para as Laudes, começaram a ouvir o ruído de pedras caindo e se chocando. Animaram-se um ao outro para ir ver e saíram, deparando com um grande grupo de homens que competiam para ajuntar pedras. Todos iam e voltavam silenciosamente, todo vestidos de roupas brancas. A montanha de pedras ajuntadas mostrou que a coisa não era fantástica, pois deu para levar a obra até o fim. Foi afastada toda suspeita de que pudessem ter sido homens vivendo na carne e osso que fizeram isso, pois apesar de pesquisarem com muita diligência, não encontraram ninguém que tivesse pensado nisso.
61 O filho de um nobre de Castel San Gimignano, atacado por grave doença, perdida toda esperança de saúde, tinha chegado ao fim. Um rio de sangue corria de seus olhos, como pode acontecer com uma veia do braço; e havia outros indícios concretos de morte próxima no resto do corpo, de modo que parecia já ter morrido. Reunidos os parentes e amigos, conforme o costume, para chorar, deu-se a ordem para o funeral e só se falava do sepultamento. Nessa ocasião, o pai, cercado pelo povo que chorava, recordou-se de uma visão de que tinha ouvido falar. Correu bem depressa para a igreja de São Francisco, que tinha sido construída naquela localidade, com uma corda no pescoço, prostrou-se por terra com toda a humildade diante do altar. Fazendo votos e multiplicando as preces, com seus suspiros e gemidos mereceu ter São Francisco como patrono diante de Cristo. O pai logo voltou para o filho e, encontrando-o devolvido à saúde, mudou o luto em alegria.
62 Na Sicília, no burgo de Piazza, já celebravam os ritos eclesiásticos pela alma de um jovem; mas, quando um tio fez um voto a São Francisco, pela intercessão do santo o moço foi chamado da porta da morte para a vida.
63 No mesmo burgo, um moço chamado Alexandre estava puxando uma corda com companheiros em cima de um profundo precipício. Partindo-se a corda, ele caiu no buraco e foi recolhido como morto. Mas seu pai, entre lágrimas e soluços, fez um voto a Francisco, santo de Cristo, e o recebeu sadio e incólume.
64 Uma mulher da mesma localidade, que sofria de tuberculose, chegou ao extremo e lhe fizeram a encomendação da alma; mas o pai santíssimo foi invocado pelos presentes e ela foi devolvida à saúde na mesma hora.
65 Em Rete, na diocese de Cosenza, aconteceu que dois meninos que lá moravam brigaram na escola e um foi ferido pelo outro no peito com tanta gravidade que, com o estômago muito afetado, punha para fora o alimento sem digerir e não conseguia alimentar-se. Não conseguia nem digerir a comida nem mante-la em algum lugar, mas a expelia pela ferida. Como nenhum médico foi capaz de curá-lo, os pais e ele, por conselho de um frade, perdoaram o que tinha feito o ferimento e fizeram voto a São Francisco: se arrancasse da boca da morte o menino mortalmente ferido e desenganado pelos médicos, mandá-lo-iam para sua igreja, e a enfeitariam em toda a volta com velas. Feito o voto, o menino ficou tão completa e admiravelmente libertado que os médicos de Palermo acharam que não teria sido menor o milagre se tivesse sido ressuscitado dos mortos.
66 Enquanto duas pessoas se aproximavam juntas do Monte Trapani para seus negócios, uma ficou doente a ponto de morrer. Os médicos que foram chamados vieram, mas não conseguiram a cura. O companheiro sadio fez voto a São Francisco e prometeu que, se o doente ficasse curado pelos seus méritos, observaria sua festa anual assistindo à Missa solene. Feito o voto, voltou para casa e encontrou restabelecido na saúde anterior aquele que pouco antes tinha deixado sem voz nem consciência, julgando que já tinha pago a dívida da dissolução.
67 Um menino da cidade de Todi, esteve oito dias na cama, como morto. Boca completamente cerrada, olhos apagados, com a pele do rosto, mãos e pés preta como uma panela, todos tinham desesperado de sua salvação, mas a mãe fez um voto e ele ficou curado com uma rapidez admirável. Apesar de ser muito pequeno e não saber falar, dizia balbuciando que tinha sido libertado por Francisco.
68 Um moço, como morava em um lugar muito alto e caiu lá de cima, perdeu a fala e o uso de todos os membros; passou três dias sem comer nem beber ou sentir nada, sendo tido como morto. Mas a mãe, sem pedir a ajuda de nenhum médico, implorou a São Francisco pela sua saúde. Feito o voto, recebendo-o vivo e incólume, começou a louvar a onipotência do Criador.
69 Um menino de Arezzo, chamado Gualter, sofria de contínuas febres, tinha dois abscessos e foi desenganado por todos os médicos. Por um voto dos pais feito a São Francisco, restabeleceu-se na desejada saúde.
Capítulo 9
Sobre hidrópicos e paralíticos
70 Na cidade de Fano, um homem atacado pela doença da hidropisia mereceu ser plenamente libertado por São Francisco.
71 Uma mulher da cidade de Gúbio, que jazia paralítica na cama, tendo invocado três vezes o nome de São Francisco para ser libertada, ficou livre da doença e curada.
72 Uma menina de Arpino, na diocese de Sora, estava paralisada a tal ponto que, com os membros inertes e os nervos contraídos, privada de todos os atos humanos, mais parecia atacada pelo demônio que ter uma alma humana para vegetar. Ficara tão atacada pelo mal da doença que parecia ter voltado ao berço de criança. No fim, sua mãe, inspirada por Deus, levou-a em um berço para a igreja de São Francisco que fica perto de Vicalvi. Ali, chorando e rezando muito, foi libertada de todo perigo da doença e voltou à saúde da idade que tinha antes.
73 Na mesma aldeia, um moço atacado de paralisia, com a boca enrijecida e os olhos vesgos, foi levado pela mãe à mesma igreja. Como o rapaz não podia se mover de jeito algum, a mãe rezou suplicantemente por ele e, antes de voltar para casa, recuperou a saúde que tinha antes.
74 Em Poggibonsi, uma menina chamada Hubertina, estava atacada por uma epilepsia tão grave e incurável que seus pais, já desesperados de qualquer remédio humano, imploraram insistentemente a ajuda de São Francisco. Para isso tinham feito juntos o voto de jejuar todos os anos na vigília e na festa do santo, dando alguma coisa para os pobres, se libertasse sua filha daquela doença insolente. Feito o voto, a menina sarou completamente libertada, e nunca mais teve qualquer sintoma do mal.
75 Pedro Mancanella, cidadão de Gaeta, perdeu pela paralisia um braço e uma mão, ficando com a boca torta até a orelha. Confiando nos conselhos dos médicos, perdeu também a visão e a audição. No fim, voltou-se suplicantemente para São Francisco e desse modo ficou livre da doença pelos méritos do homem beatíssimo.
76 Um cidadão de Todi sofria tanto de artrite que não conseguia ter sossego pela força da dor. No fim, quando parecia reduzido a nada, já em nada ajudado pelos remédios dos médicos, diante de um sacerdote invocou o bem-aventurado Francisco e, tendo feito um voto, recuperou a saúde anterior.
77 Um certo Bontadoso, como sofresse uma dor tão grave nos pés que não podia mais locomover-se, ficando sem comer nem dormir, foi aconselhado por uma mulher a se recomendar suplicantemente ao bem-aventurado São Francisco. Arrebatado pela dor excessiva, tendo dito que não acreditava que ele fosse santo, como a mulher continuava a aconselhá-lo tenazmente, fez o seguinte voto: “Eu me consagrarei a São Francisco e acreditarei que ele é santo se me livrar desta doença dentro de três dias”. Para sua admiração, levantou-se imediatamente e voltou a ter saúde.
78 Uma mulher estava de cama havia muitos anos, doente, sem se poder mover de modo algum, mas foi curada por São Francisco e pôde dar conta de seus trabalhos.
79 Na cidade de Narni, um moço sofria havia dez anos por uma doença muito grave, de modo que tinha ficado inchado e não podia ser curado por nenhum remédio. Sua mãe consagrou-o a São Francisco e dele recebeu imediatamente dele a graça da saúde.
80 Na mesma cidade, uma mulher estava havia oito anos com uma mão ressecada, e não podia fazer nada com ela. São Francisco apareceu-lhe numa visão esticou-lhe a mão e a deixou igual à outra para trabalhar.
Capítulo 10
Sobre os náufragos libertados
81 Alguns marinheiros estavam em grave perigo no mar , a dez milhas do porto de Barletta, numa tempestade que estava piorando muito. Já duvidando que podiam salvar-se, lançaram âncoras. Mas como o ímpeto das tempestades agitava cada vez mais o mar, quebraram-se as amarras e perderam as âncoras, vagando incertamente à mercê das ondas. Finalmente, quando o mar se acalmou pela vontade divina, trataram de recuperar com todo esforço as âncoras, cujas amarras superiores estavam boiando. Por isso, tentaram com todas as forças trabalhar para extrair as âncoras. Tendo invocado a ajuda de todos os santos, completamente suados, não conseguiram recuperar nenhuma o dia inteiro. Havia um marinheiro chamado Perfeito, mas que não tinha nenhuma perfeição e desprezava as coisas de Deus. Maldosamente, caçoou dos companheiros: “Invocastes o auxílio de todos os santos e, como vedes, não há nenhum que nos socorra. Vamos invocar esse tal de Francisco, que é um santo novo, para que mergulhe no mar com o seu capuz e recupere as âncoras perdidas. Vamos oferecer uma onça de ouro a sua igreja que está sendo construída em Ortona, se percebermos que ele ajuda”. Os outros concordaram temerosos e, mesmo reprovando o irreverente, apoiaram o voto. No mesmo momento, sem esforço algum, as âncoras boiaram, como se o ferro tivesse virado madeira.
82 Um peregrino, inválido de corpo e nada sadio de mente por uma loucura que tinha sofrido no passado, voltava do ultramar com a mulher, em um navio. Como não estava completamente livre da doença e tivesse muita sede, como já faltava água, começou a gritar: “Tende confiança e tirai um copo para mim, porque o bem-aventurado Francisco me encheu a garrafa de água”. Foi uma maravilha! Viram cheia a garrafa que tinham deixado vazia e sem nada. Alguns dias depois, levantando-se uma tempestade, o navio era coberto pelas ondas e sacudido por vagalhões enormes, de modo que já temiam naufragar, e o mesmo doente começou a gritar pelo navio: “Levantai-vos todos, vamos ao encontro do bem-aventurado Francisco que está chegando! Ele veio nos salvar”. Assim, gritando e com lágrimas no rosto, prostrou-se para adorá-lo. Vendo o santo, o doente recuperou na mesma hora a saúde e houve tranqüilidade no mar f.
83 Frei Tiago de Rieti queria atravessar um rio em uma barquinha; depositou primeiro os companheiros na margem e depois se preparou para partir. Mas a barquinha virou acidentalmente e, enquanto o barqueiro saiu nadando, o o frade foi para o fundo. Os frades que estavam fora invocavam com gritos afetuosos o bem-aventurado Francisco e tentavam obrigá-lo com preces lacrimosas a salvar o filho. Também o frade submerso, lá dentro da água caudalosa, não podendo rezar, clamava no coração, como podia. E assim, com a auxílio da presença do pai, andava lá pelo fundo como se estivesse no seco, pegou a barquinha afundada e chegou à margem com ela. E o mais admirável: suas roupas não estavam molhadas, nem uma gota de água tinha chegado à túnica.
84 Navegavam pelo lago de Rieti, dois homens, duas mulheres e um menino. De rebente a barca virou e se encheu de água, parecendo que eles estavam para morrer. Todos gritavam, já certos da morte, mas uma das mulheres gritou com uma confiança muito grande: “São Francisco, que quando vivias na carne me concedeste o dom da tua amizade, traz agora do céu a ajuda para os que estão perecendo”. Chamado, o santo se apresentou de repente e levou a barca cheia de água com toda segurança até o porto. Tinham levado consigo na barca uma espada que, milagrosamente, seguia-os boiando na água.
85 Alguns marinheiros de Ancona, colhidos por forte tempestade, já se viam no perigo de afundar. Mas, sem esperança de sobreviver, invocaram suplicantes a São Francisco e apareceu uma grande luz no mar, trazendo com ela uma tranqüilidade concedida por Deus. Ofereceram então como voto um nobre pálio e agradeceram muito a seu libertador.
86 Um frade chamado Boaventura navegava em um lago com dois homens, quando se partiu uma parte da barca e eles afundaram com a força da água que entrou. Como invocaram lá do fundo do lago a Francisco, de repente a barca cheia de água chegou com eles ao porto. Da mesma forma, pelos méritos de São Francisco foi libertado um frade de Áscoli que tinha afundado em um rio.
87 Um pisano da paróquia de São Cosme e Damião confirmou com uma declaração que, estando num barco no mar com muitos outros, levada por uma tempestade violenta a embarcação estava para se arrebentar em um monte. Vendo isso, os marinheiros construíram uma jangada com os mastros e tábuas, e passaram para ela com os outros buscando refúgio. Mas o referido pisano, não conseguindo equilibrar-se bem na jangada, foi atingido por uma onda forte e jogado no mar. Como não sabia nadar nem podia ser ajudado pelos outros, foi parar desesperadamente no fundo do mar. Não conseguindo falar, encomendou-se devotamente no coração a São Francisco e, de repente, foi levantado do fundo do mar por uma mão e levado de volta para a jangada, salvando-se do naufrágio com os outros. Mas o navio bateu no monte e ficou todo destruído.
Capítulo 11
Encarcerados e presos.
88 Na România, aconteceu que um grego, servo de certo senhor, foi falsamente acusado de furto. O príncipe da região mandou que fosse preso em um cárcere apertado e pesadamente acorrentado e, depois, como sentença definitiva, ainda tinha que ter o pé cortado. Sua esposa intercedeu solicitamente junto ao senhor para libertá-lo, mas a dureza obstinada do homem não cedeu aos pedidos. Então a senhora recorreu suplicante a São Francisco, recomendando o inocente à sua piedade com um voto. Apresentou-se logo o auxiliador dos infelizes, tomou na mãos o homem posto no cárcere, soltou as correntes, quebrou a porta e levou o inocente para fora: “Eu sou”, disse, “a quem tua senhora confiou devotamente”. Como o prisioneiro estava muito aterrorizado e dava voltas para descer do altíssimo precipício, de repente, sem saber como, viu-se no chão; voltou logo para sua senhora e contou como foi o milagre. Logo ela mandou fazer, de acordo com o voto, uma imagem de cera que pendurou junto do quadro do santo para ser vista por todos. Mas o marido iníquo ficou perturbado por causa disso, e tendo batido na mulher, foi atacado gravemente por uma doença, da qual não conseguiu absolutamente libertar-se enquanto não confessou a culpa, prestando devotos louvores a Francisco, santo de Deus.
89 Em Massa de São Pedro, um pobrezinho devia uma quantia de dinheiro a um cavaleiro; como não pudesse pagar, pela miséria, foi aprisionado por seu credor, que o cobrava. Pediu que tivesse pena dele e rezava pedindo um adiamento por amor de São Francisco, achando que o cavaleiro respeitaria o famoso santo. parei aqui O soberbo militar desprezou as súplicas, desprezando como bobagem o amor pelo santo. Respondeu teimosamente: “Vou te prender num lugar e num cárcere em que nem Francisco nem mais ninguém vai poder te ajudar”. E tentou fazer o que dizia. Encontrou um cárcere escuro, onde jogou o homem amarrado. Pouco depois apresentou-se São Francisco, que derrubou a porta e quebrou as correntes dos pés do prisioneiro, devolvendo-o são e salvo a sua casa. Para demonstrar o maravilhoso poder, cuja clemência tinha podido experimentar, o homem levou as correntes para a igreja de São Francisco em Assis. Assim o poder de São Francisco, vencendo o soberbo cavaleiro, libertou do mal o preso que se confiou a ele.
90 Cinco oficiais de um grande príncipe, presos por suspeita, não só foram duramente acorrentados mas também trancados num apertado cárcere. Ouvindo dizer que o bem-aventurado Francisco brilhava em toda parte por seus milagres, confiaram-se a ele com muita devoção. Certa noite São Francisco apareceu a um deles e prometeu que iria libertá-los. O que teve a visão ficou exultante e falou aos companheiros sobre a graça prometida. Mesmo nas trevas, eles choraram e se alegraram, fazendo votos e multiplicando as preces. Um deles logo começou a cavar a fortificadíssima torre com um osso. O duro material cedia como se fosse cinza compactada. Aberta a parede, tentou sair e, tendo quebrado as correntes, foram saindo um depois do outro. Se quisessem fugir ainda havia um imenso precipício mas, o seu audaz comandante São Francisco deu-lhes a coragem de descer. Puderam afastar-se incólumes e seguros, e exaltaram com grandes louvores os feitos do santo.
91 Alberto de Arezzo, mantido numa duríssima cadeia por dívidas injustamente dele cobradas, recomendou humildemente sua inocência a São Francisco. Amava muito a ordem dos frades e venerava com afeto especial o santo entre os outros santos. Mas o seu credor dissera blasfemando que nem Deus nem São Francisco poderiam libertá-lo de suas mãos. Aconteceu que na véspera do dia de São Francisco, ficando o preso sem comer, porque por amor de São Francisco deu a comida para um pobre, estava acordado de noite quando lhe apareceu São Francisco. À sua entrada, caíram-lhe as correntes dos pés e das mãos. As portas se abriram sozinhas e caíram as tábuas do teto, deixando o homem livre para voltar para casa. Desde então cumpriu o voto, jejuando na véspera de São Francisco e aumentando cada ano uma onça na vela da sua oferta anual.
92 Um jovem da região de Città di Castello foi acusado de um incêndio e trancado em dura prisão; confiou então humildemente a sua causa a São Francisco. Uma noite, estando acorrentado e guardado, ouviu uma voz que dizia: “Levanta-te depressa, e vai para onde quiseres, porque tuas correntes estão soltas”. Obedeceu à ordem sem demora, saiu do cárcere e foi para Assis, para oferecer um sacrifício de louvor ao seu libertador.
93 Ocupando a sé de São Pedro o papa Gregório IX, surgiram necessariamente perseguições de hereges em diversos lugares. Nesse tempo, um homem chamado Pedro, da cidade de Alife, foi acusado de heresia e preso em Roma com outros. O papa Gregório entregou-o para ser guardado pelo bispo de Tívoli. O bispo recebeu-o sob pena de perder o bispado e mandou acorrentá-lo. Entretanto, como a sua simplicidade demonstrava a inocência, foi tratado com menor rigor. Conta-se que alguns nobres da cidade, querendo que o bispo sofresse o castigo ameaçado pelo papa, porque tinham um ódio inveterado contra ele, aconselharam às escondidas o referido Pedro a fugir. Ele concordou, fugiu numa noite e logo foi para longe. Quando isso foi descoberto, o bispo ficou muito preocupado, esperando temeroso a pena, e lamentando que o plano de seus adversários tivesse dado certo. Por isso tomou o maior cuidado e mandou enviados por toda parte, reencontrando o coitado que, como ingrato, foi posto numa guarda mais severa. Mandou preparar um cárcere escuro, cercado por fortes muros; lá dentro ainda apertou o pobre em grossas tábuas pregadas com cravos de ferro. Mandou que lhe pusessem nos pés algemas de ferro que pesavam muitas libras, e lhe dessem comida e bebida com peso reduzido. Já não havia mais nenhuma esperança de libertação, mas Deus não suporta que a inocência pereça e logo o socorreu com sua piedade. O homem começou a invocar, chorando e rezando muito, que o bem-aventurado Francisco tivesse piedade dele, porque ouviu dizer que era vigília de sua festa. Esse homem tinha muita fé em São Francisco porque, como dizia, sabia que os hereges tinham ladrado muito contra ele. Chegando já a noite de sua festa, pela hora do crepúsculo, São Francisco teve compaixão e desceu ao cárcere, chamou-o pelo nome e mandou que se levantasse depressa. Aterrorizado pelo temor, ele perguntou quem era, e ouviu que São Francisco estava ali. Levantou-se, chamou um guarda e disse: “Estou perturbado por um terror muito grande, porque aqui está alguém que me manda levantar e diz que é São Francisco”. O guarda respondeu: Deita-te em paz, miserável, e dorme! Estás insano porque não comeste direito hoje”. Mas como o santo de Deus ainda o mandava levantar-se, viu que as correntes de seus pés se quebraram e caíram rapidamente por terra. Olhando para o cárcere viu que as tábuas se abriam sozinhas e lhe apresentavam o caminho aberto para sair. Solto, estava assustado e não sabia fugir, mas gritando na porta espantou todos os guardas. Quando eles anunciaram ao bispo que ele tinha sido libertado, o bispo achou que ele tinha fugido e, não sabendo que era um milagre, tomado de medo, porque estava doente, caiu de onde estava sentado. Mas quando soube direito do que tinha acontecido, foi ao cárcere com devoção e, conhecendo manifestamente a força de Deus, lá adorou o Senhor. As correntes foram levadas para o senhor papa e os cardeais que, quando viram o que tinha acontecido, ficaram muito admirados e bendisseram a Deus.
94 Guidalotto de San Gimignano foi falsamente acusado de ter matado um homem com veneno e que queria envenenar o filho e toda a família da mesma pessoa. Por isso foi preso pelo podestá do lugar, trancado com pesadíssimas correntes e jogado numa torre em ruínas. O podestá ficou pensando nas penas que poderia aplicar-lhe para que confessasse o crime pela tortura, e no fim mandou suspende-lo num cavalete giratório. Ainda puseram em cima dele muitos pesos de ferro, até que perdeu os sentidos. Mandou que fosse muitas vezes abaixado e levantado, para que no meio de tantas penas levasse-o a confessar mais depressa o crime. Mas o seu espírito de inocência se manifestava alegre no rosto e não mostrava nenhuma tristeza nas torturas. Então acenderam um bom fogo embaixo dele, mas nenhum de seus cabelos se queimou, apesar de estar pendurado de ponta cabeça. No fim, derramaram em cima dele óleo fervendo mas, como era inocente e se tinha encomendado desde o começo ao bem-aventurado Francisco, suportou tudo rindo. Naquela noite, como de manhã ele devia ser levado para cumprir a pena, foi visitado pela presença de São Francisco, e cercado por um imenso fulgor luminoso até de manhã, ficou naquela claridade cheio de alegria t e com uma enorme confiança. Bendito seja Deus que não permite que os inocentes pereçam e no dilúvio de muitas águas está pronto x para os que nele esperam.
Capítulo 12
Sobre libertações do perigo do parto
e sobre pessoas que não respeitaram sua festa.
95 Uma condessa na Esclavônia, ilustre pela nobreza mas também pela virtude, ardia de devoção por São Francisco e tinha grande afeto para com os frades. Na hora do parto, tomada por dores atrozes, ficou numa angústia tão grande que parecia que o nascimento do filho estava indicando a morte da mãe. Não parecia que o menino pudesse sair sem que a mãe perdesse a vida e, no esforço, não ia parir mas perecer. Lembrou-se em seu coração da fama de Francisco, de sua virtude e glória; sua fé se animou e sua devoção se acendeu. Voltou-se para o auxílio eficaz, para o amigo fiel, para a consolação dos devotos, para o refúgio dos aflitos. Disse: “São Francisco, todas as minhas entranhas suplicam a tua piedade, e faço no coração um voto que não consigo expressar”. Foi admirável a rapidez da piedade! Acabou de falar, acabou a dor; terminou o trabalho e começou o parto. Acabou todo o aperto e teve o parto com saúde. Não se esqueceu do voto nem da promessa. Mandou construir uma belíssima igreja em honra do santo e a entregou aos frades.
96 Nos arredores de Roma havia uma mulher chamada Beatriz, prestes a dar à luz, que já tinha um feto morto havia quatro dias no ventre e sofria angústias e dores muito grandes. O feto morto estava levando a mãe à morte e, como não tinha sido expulso, punha a mãe em perigo evidente. Tentou a ajuda dos médicos, a tentativa falhou emas todo remédio humano trabalhava em vão. Dessa forma, caía abundantemente sobre a pobre algo das primeiras maldições e, feita túmulo de sua criança, esperava como certa e próxima a sepultura. Afinal confiou-se através de intermediários aos frades menores com toda devoção, pedindo cheia de confiança alguma coisa das relíquias de São Francisco. Por vontade divina, acharam um pedaço de um cordão que o santo já usara na cintura. Logo que o colocaram sobre a doente, a dor acabou com toda facilidade, o feto morto, que era causa de morte, saiu, e ela voltou à saúde.
97 A esposa de um nobre de Calvi, chamada Juliana, vivia tristemente havia anos pela morte dos filhos e estava sempre chorando sua infelicidade. Os filhos que tivera tinham sido todos levados pela terra e os brotos novos eram logo cortados pelo machado. Como já tinha no útero uma criança de quatro meses, entregava-se mais à tristeza que à alegria, com medo de que a falsa alegria do nascimento fosse frustrada pela tristeza da morte. Certa noite, quando estava dormindo, apareceu-lhe em sonhos uma mulher que trazia um bonito menininho nos braços, e o oferecia dizendo: “Recebe, senhora, este menino que São Francisco está te mandando!”. Mas ela, como se não quisesse receber alguém que fosse perder logo depois, se recusava dizendo: “Para que quero esse menino se sei que vai morrer logo, como os outros?”. A mulher disse: “Pegue, porque se é São Francisco que te manda, ele vai viver”. Depois de terem falado isso pela terceira vez, a senhora recebeu o menino nos braços. Logo acordou do sono e contou a visão ao marido. Os dois tiveram uma alegria muito grande e fizeram muitos votos para receber seu filho. Completou-se o tempo de dar à luz e a mulher teve um filho homem que, florescendo até a idade de vigor, compensou a perda dos mortos.
98 Perto de Viterbo havia uma mulher, próxima do parto mas ainda mais próxima da morte, atormentada por dores nas entranhas e por todo tipo de infortúnios das mulheres. Consultaram médicos, chamaram parteiras mas, como não conseguiram nada, sobrou apenas o desespero. Aflita, invocou o bem-aventurado Francisco e, entre outras coisas, prometeu que celebraria sua festa enquanto fosse viva. Foi imediatamente libertada e terminou o parto na alegria. Mas, tendo conseguido o que queria, esqueceu-se da promessa. Pois foi lavar roupas no dia de São Francisco, não por ter esquecido mas por não dar importância ao voto. Pois de repente uma dor insólita caiu sobre ela. Compreendendo o castigo, voltou para casa. Mas quando a dor passou, porque era dessas que mudam dez vezes por hora, vendo as vizinhas entregues ao trabalho, com temerária emulação ousou fazer pior do que antes. De repente não conseguiu dobrar o braço que estendera para o trabalho: ele ficou duro e seco. Procurou levantá-lo com o outro, mas ele também secou por igual maldição. A infeliz tinha que ser alimentada pelo filho e não podia fazer as outras coisas sozinha. O marido ficou espantado e, refletindo sobre qual poderia ser a causa, soube que a falta de fidelidade a São Francisco era a razão do tormento. Então marido e mulher, tomados de medo, refizeram sem demora o voto. O santo teve misericórdia, porque sempre foi misericordioso, e restituiu à penitente os membros que tinha tirado à desprezadora. Desse modo a pena tornou conhecido o pecado e fez com que a mulher se tornasse um exemplo para todos os que não respeitam os votos, e uma advertência para os que têm a pretensão de violar as festas dos santos.
99 Na cidade de Tívoli, a mulher de um juiz, tendo tido seis filhas, perturbada por um enorme furor, decidiu abster-se do marido daí para frente, porque não queria mais insistir numa criação de cujos frutos não gostava absolutamente. Não queria ter sempre meninas e, desiludida do desejo do sexo masculino, reclamava até de Deus. Não se deve rebelar contra o juizo que, pelas leis do Deus onipotente, é feito sobre as pessoas. Por isso, indignada, ela se separou do próprio marido por um ano. Pouco depois, levada pela penitência, mandou-lhe o confessor que reconciliasse com o marido, pedisse um filho a São Francisco, ao qual daria depois o nome de Francisco, porque recebido graças aos seus méritos. Pouco depois a mulher concebeu e deu à luz gêmeos, no lugar do que tinha sido implorado. Um foi chamado de Francisco, outro de Braz.
100 Na cidade de Le Mans, uma senhora muito nobre tinha uma criada plebéia que ela obrigava a trabalhar em obras servis na festa de São Francisco. Mas a moça, que era de mente mais nobre, recusava trabalhar por reverência. Prevaleceu o temor humano ao temor divino, e a jovem se submeteu, mesmo sem querer. Estendeu as mãos para a roca e seus dedos pegaram o fuso. Mas imediatamente as mãos se enrijeceram de dor e os dedos faziam-na sofrer como se queimassem. Assim a culpa ficou patente pelo castigo, porque os duros sofrimentos não permitiram que ficasse calada. A criada correu para os filhos de São Francisco, revelou a ofensa, mostrou o castigo e pediu perdão. Os frades foram à igreja em procissão e invocaram a clemência de São Francisco por sua saúde. Ela ficou curada na mesma hora, pela súplica dos filhos ao pai, mas em suas mãos ficou um sinal de queimadura.
101 Algo semelhante aconteceu na Campânia maior. Uma mulher, na vigília de São Francisco, mesmo tendo sido repreendida muitas vezes pelas vizinhas, porque não deixava de trabalhar nem na festa, continuou teimosamente seu serviço até tarde, sem parar de trabalhar. Mas depois do esforço ficou de repente com as mãos paralisadas e incapacitadas, com espanto e dor. Levantou-se imediatamente e declarando que devia respeitar a festa que tinha desprezado, fez nas mãos de um sacerdote um voto solene de observar para sempre com reverência a festa do santo. Feito o voto, foi levada a uma igreja construída para São Francisco e, no meio de muitas lágrimas, recuperou a saúde.
102 Em Valladolid, uma mulher, repreendida por uma vizinha porque não respeitava a festa de São Francisco deixando de trabalhar, respondeu muito arrogante: “Se houvesse um santo para cada arte, o número de santos seria maior do que o de dias”. Mal pronunciou essa bobagem, ficou enlouquecida por intervenção divina e esteve muitos dias sem razão nem memória, até que pela prece de algumas pessoas que rezaram a São Francisco, a doidice passou.
103 Na aldeia de Piglio, na Campânia, uma mulher fazia cuidadosa o seu trabalho, na festa de São Francisco. Foi fortemente repreendida por um nobre, porque todos respeitavam a festa com divina veneração, mas respondeu: “Falta pouco para acabar meu trabalho. Veja o Senhor se é que o ofendo”. Na mesma hora viu o juízo grave cair sobre sua filha, que estava sentada ao lado. A boca da menina entortou até as orelhas e, os olhos, como se fossem saltar, se retorciam terrivelmente. Acorreram mulheres de todo lado, maldizendo a impiedade da mãe pela filha inocente. Ela logo se prostrou no chão cheia de dor, prometendo que ia respeitar todos os anos o dia festivo, dando comida aos pobres por reverência a este santo. Acabou na mesma hora o tormento da filha, quando a mãe, que tinha pecado, se arrependeu da ofensa.
104 Mateus de Tolentino. tinha uma filha chamada Francisca. Como os frades estavam sendo transferidos para outro lugar, ficou muito irritado, tirou o nome de Francisco de sua filha e resolveu chama-la de Matea. Só que, perdendo o nome, perdeu também a saúde. De fato, como isso tinha acontecido pelo desprezo do pai e pelo ódio a seus filhos, a filha ficou gravemente doente e em perigo de morte. Atormentado por uma dor enorme por causa da situação da filha, foi repreendido pela mulher por odiar os servos de Deus e desprezar o nome do santo. Logo recorreu ao primeiro nome com devoção e revestiu a filha com o título que lhe tirara. No fim, levada com lágrimas paternas ao lugar dos frades, a menina recebeu de volta o nome e a saúde.
105 Uma mulher de Pisa, não sabendo que estava grávida, trabalhou um dia inteiro numa igreja de São Francisco que estavam começando a construir na cidade. De noite, apareceu-lhe São Francisco com dois frades trazendo velas e disse: “Minha filha, concebeste e vais dar à luz um filho. Vais ficar feliz se lhe deres o meu nome”. Quando chegou o tempo do parto, ela deu à luz um filho. A sogra disse: “Vai se chamar Henrique, por causa de tal parente nosso”. Mas a mãe respondeu: “De modo algum, vai se chamar Francisco”. A sogra riu do nome, como se fosse um nome vulgar. Poucos dias depois, quando a criança foi batizada, ficou doente a ponto de morrer. Toda a família se entristeceu e o gozo virou tristeza. De noite, estando a mãe acordada pela angústia, voltou São Francisco outra vez com dois frades e, como se estivesse perturbado, disse à mulher: “Eu não te disse que não te alegrarias com o filho se não lhe pusesses o meu nome?”Ela começou a gritar que não teria posto outro nome. Afinal o menino foi curado e batizado, recebendo o nome de Francisco. Teve a graça de não chorar, passando inocentemente por sua infância.
106 Uma mulher da região de Arezzo, na Toscana, depois de ter suportado por sete dias um trabalho de parto, já tinha ficado preta e sem a esperança de todos, mas fez um voto a São Francisco e começou a invocar seu auxílio, mesmo moribunda. Logo que fez o voto, dormiu, e São Francisco lhe apareceu, chamando-a por seu nome, Adelásia, perguntou se conhecia o seu rosto. Ela respondeu: “É certo que te conheço, pai”. E o santo disse: “Sabes rezar Salve rainha de misericórdia?”. Ela respondeu: “Sei, pai!”. “Então começa”, disse o santo, “e antes de acabares vais dar à luz com saúde!”. Dizendo isso, o santo gritou com voz forte e desapareceu. A mulher acordou com o grito e começou a rezar tremendo a Salve Rainha. Quando chegou em “os teus olhos misericordiosos”, imediatamente, sem terminar a oração, deu à luz um bonito menino, com alegria e saúde.
107 Na Sicília, uma mulher, sabendo que era o dia solene de São Francisco, não se incomodou de abster-se do trabalho servil e preparou diante de si uma vasilha de padeiro. Pôs farinha dentro e começou a juntá-la com os braços nus, mas a farinha logo ficou manchada de sangue. A mulher se assustou e chamou as vizinhas. Quando mais elas vinham ver o espetáculo, mais aumentava o sangue na massa. A mulher se arrependeu do que tinha feito e fez um voto de nunca mais fazer obra servil no dia de sua festa. Feita e confirmada a promessa, a mancha de sangue desapareceu da massa.
108 Quando o santo ainda vivia na carne, uma mulher de um povoado perto de Arezzo estava grávida. Quando chegou o tempo do parto, passou vários dias entre a vida e a morte, com dores incríveis. Aconteceu que São Francisco, montado a cavalo por estar doente, passou para ir a um eremitério. Ficaram todos esperando que passasse por ali, onde a mulher estava sofrendo, mas ele já estava no eremitério e um frade voltou com o cavalo que o santo montara por aquela aldeia. Quando os habitantes do lugar viram que não era São Francisco, ficaram muito tristes e começaram a perguntar um ao outro se poderiam encontrar alguma coisa em que São Francisco tivesse tocado com a própria mão. Encontrando as rédeas que ele tinha segurado para cavalgar, tiraram rapidamente o freio da boca do cavalo em que o santo pai tinha montado. Sentindo as rédeas colocadas em cima dela, a mulher, livre de perigo, deu à luz com toda alegria e saúde.
Capítulo 13
Sobre hérnias curadas
109 Frei Tiago de Iseo, de nossa ordem, bem célebre e famoso, deu um testemunho de si mesmo para glória de nosso pai, dando graças ao santo de Deus pela graça da saúde. Quando era um menino ainda pequeno na casa paterna, sofreu um ferimento grave no corpo, pelo qual saíam em uma posição que não era a sua as partes escondidas do corpo, colocadas pela natureza no segredo e por isso ele sofria muito com o problema. O pai e os parentes, que sabiam a causa, sofriam muito e, mesmo tentando muitas vezes a ajuda dos médicos, parece que não conseguiam nada. Então o jovem começou, por inspiração divina, a pensar na salvação da alma e a buscar com diligência Deus que cura os contritos de coração e alivia seus sofrimentos. Por isso entrou devotamente na Ordem de São Francisco, mas não falou a ninguém sobre a doença que o atormentava. Mas, depois que estava havia algum tempo na Ordem, quando os frades ficaram sabendo da doença do moço, mesmo compadecidos, quiseram devolve-lo aos pais. Mas foi tal a constância do rapaz que venceu a inoportuna decisão. Então os frades cuidaram do jovem até que, confortado pela graça e cheio de nobres virtudes, assumiu entre eles o cuidado das almas e se distinguiu pela prática da observância regular. Aconteceu então que, durante a transferência do corpo de São Francisco para o seu lugar, o referido frade estava então presente com muitos outros nas festas da translação. Aproximando-se do túmulo em que descansava o corpo do pai santíssimo, começou a orar insistentemente pela velha doença. De repente, de maneira admirável, voltando tudo ao seu devido lugar, sentiu-se curado, deixou de lado o cinto e desde então ficou livre de todas as dores que sofrera.
110 Um pisano, que soltava todos os “segredos do ventre” pelos genitais, por causa da dor enorme e da vergonha profunda, tomou uma decisão diabólica contra si mesmo. Levado por um profundo desespero, resolveu não viver mais e matar-se com um laço. Nesse meio tempo, todavia, sentindo-se tocado por uma consciência que ainda não tinha acabado, começou a se lembrar do nome de São Francisco e a repeti-lo, invocando-o ainda que debilmente. De repente, recebeu uma rápida conversão da maldita decisão e a cura imediata da enorme chaga.
111 O filho de um morador de Cisterna na Marítima sofria de uma enorme hérnia nos genitais e não conseguia reter os intestinos. De fato, o cinto com que se costuma ajeitar esses problemas, acabou multiplicando o mal. Atormentavam-se os infelizes pais e a horrenda vista desse mal causava compaixão nos vizinhos e conhecidos. Depois de ter tentado todo tipo de curas com remédios, como nada adiantasse, pai e mãe consagraram devotamente o filho a São Francisco. Por isso levaram-no nodia de São Francisco à igreja construída em sua honra em Velletri, colocaram-no diante da imagem do santo, fizeram um voto e choraram por ele com muitas outras pessoas. Durante o canto do Evangelho, e se chegou às palavras “é revelado aos pequenos o que foi escondido aos sábios (cfr. Mt 11,25), o cinto se arrebentou de repente e caíram os remédios que de nada adiantavam. A ferida cicatrizou na mesma hora e toda a desejada saúde foi recuperada. Houve um grande clamor dos que louvavam o Senhor e veneravam o seu santo.
112 Em Ceccano, aldeia da Campânia, um sacristão chamado Nicolau estava entrando de manhã cedinho na igreja, quando por um acaso repentino levou um tombo de modo que seus intestinos saíram todos pela parte genital. Correram os clérigos e outros vizinhos, levantaram-no e o levaram para a cama. Ficou oito dias imóvel, sem poder levantar-se nem para fazer as necessidades. Foram chamados os médicos e fizeram tudo que podiam, mas a dor aumentava, e a doença em vez de sarar, piorava. Os intestinos, que tinham enchido o lugar indevido, causavam tanta dor ao homem que por oito dias ele não conseguiu nem comer. Desesperado e já desenganado, voltou-se para a ajuda de São Francisco. Tinha uma filha religiosa e temente a Deus, a quem exortou a implorar o auxílio de São Francisco para ele. A filha bendita saiu para fora um pouco e, rezando com muitas lágrimas, intercedeu ao pai pelo seu pai. Que grande a força da oração! Logo o pai a chamou enquanto ainda estava rezando e lhe deu a notícia da inesperada cura. Tudo tinha voltado para o devido lugar, e ele achava que estava melhor do que antes do tombo. Por isso prometeu a São Francisco que sempre o teria como padroeiro e que festejaria todos os anos o dia de sua festa.
113 Em Spello um homem sofria de uma hérnia tão grave, já fazia dois anos, que parecia que pelo baixo ventre ia sair tudo que tinha dentro. De fato, não conseguiu deter por muito tempo a saída dos intestinos e nem faze-los voltar ao seu lugar com ajuda dos médicos. Por isso, desenganado pelos médicos, voltou-se para o auxílio divino. Invocando devotamente os méritos do bem-aventurado Francisco, sentiu que a hérnia estava sendo curada rapidamente, e a deformidade ficou acertada.
114 Na diocese de Sora, um moço chamado João, sofria de uma hérnia intestinal tão grande que não podia ser ajudado por nenhum remédio dos médicos. Aconteceu que, um dia, sua mulher foi a uma igreja do bem-aventurado Francisco. Estava rezando pela saúde do marido quando um dos frades lhe disse com simplicidade: “Vai dizer ao teu marido que se consagre a São Francisco e faça um sinal da cruz no lugar da hérnia!”. Voltando para casa, a mulher contou isso ao marido. Ele fez um voto a São Francisco, fez o sinal no lugar e os intestinos logo voltaram para onde deviam estar. O homem se admirou da súbita e inesperada cura e começou a fazer muitos exercícios para comprovar que era verdadeira a cura que recebera. Estando ele mesmo com uma febre aguda, São Francisco apareceu-lhe em sonhos, chamou-o pelo nome e disse: “Não temas, João, porque ficarás curado de tua doença”. A maior garantia desse milagre vem do fato de que São Francisco apareceu a um homem religioso, chamado Roberto e, quando este lhe perguntou quem era, disse: “Eu sou Francisco, que vim para curar um amigo meu”.
115 Na Sicília, um tal de Pedro, que sofreu de repente de uma hérnia inguinal. São Francisco o curou justamente quando fazia a promessa de ir visitar seu túmulo.
Capítulo 14
Sobre os cegos, surdos e mudos
116 Num convento dos frades de Nápoles, havia um frade chamado Roberto, cego havia muitos anos. Cresceu-lhe nos olhos uma carne supérflua, que impedia mexer e usar as pálpebras. Uma vez juntaram-se aí muitos frades de fora, que iam para diversas partes do mundo e o bem-aventurado pai Francisco, exemplo e espelho de santa obediência, para animá-los na viagem com a força de um novo milagre, curou o referido frade na sua presença da seguinte maneira: Uma noite Frei Roberto estava deitado, esperando a morte, e sua alma fora encomendada, quando eis que apareceu o santo pai com três frades de santidade perfeita, santo Antônio, Frei Agostinho e Frei Tiago de Assis, que, como o haviam seguido perfeitamente quando viviam, também o acompanhavam alegremente depois da morte. São Francisco pegou uma faca e cortou a carne supérflua, devolveu-lhe a visão perdida e o tirou da boca da morte. Também lhe disse: “Roberto, meu filho, a graça que te fiz é um sinal para os frades que estão partindo para nações longínquas, de que eu vou na frente deles e vou acompanhar seus passos”. “Que vão, acrescentou, “cumprindo felizes e alegres a obediência que receberam! Que os filhos saboreiem a obediência, principalmente os que, deixando a própria terra, esquecem a pátria terrena porque têm um precursor esperto e dedicado!”.
117 Em Zancato, aldeia perto de Anagni, o cavaleiro Geraldo tinha perdido totalmente o uso dos olhos. Aconteceu que dois frades menores, voltando do estrangeiro, foram pedir hospedagem em sua casa. Acolhidos com honra por toda a família e tratados com toda bondade, nem perceberam a cegueira do anfitrião. Foram depois para a casa dos frades, que ficava a seis milhas e lá estiveram oito dias. Uma noite, São Francisco apareceu a um desses frades em sonhos, dizendo: “Levanta-te, vai depressa com o teu companheiro para a casa do teu anfitrião, que me honrou em vós, e por minha causa vos deu hospitalidade. Retribui-lhe a graça da amável acolhida e prestai honra a quem vos honrou! Pois ele é cego, não enxerga, e isso foi merecido pelos seus pecados, que ainda não confessou. As trevas da morte o esperam, estão preparados eternos e intermináveis sofrimentos. Está preso a isso por culpas que ainda não abandonou”. Quando o pai desapareceu, o filho levantou-se atônito e correu para cumprir a ordem com seu companheiro. Voltaram juntos ao seu anfitrião, e o que vira contou tudo em ordem. O homem ficou bastante espantado, confirmando que tudo que ouvira era verdade. Arrependeu-se até as lágrimas, confessou-se espontaneamente, prometeu corrigir-se. Renovado dessa maneira o homem interior, recebeu na mesma hora a luz dos olhos. A grandeza desse milagre espalhou-se por toda parte e encorajou todos os que o ouviram a darem hospitalidade.
118 Em Tebas, na România, uma mulher cega que jejuava a pão e água na vigília de São Francisco, foi levada pelo seu marido à igreja dos frades na manhã da festa. Durante a missa, abriu os olhos na elevação do Corpo de Cristo, enxergou com clareza e adorou com muita devoção. Nessa mesma adoração proclamou alto: “Graças a Deus e a seu santo, porque estou vendo o corpo de Cristo!”. Tendo sido todos os presentes transformados numa voz da exultação, terminada a celebração, a mulher voltou para sua casa guiada por sua própria visão. Cristo foi luz para Francisco enquanto viveu e, como então, delegou-lhe todo seu poder maravilhoso, tanto que até agora deseja dar toda glória a seu corpo.
119 Na Campânia, um menino de catorze anos da aldeia de Poffi, por uma desgraça imprevista, perdeu totalmente o olho esquerdo. A força da dor expeliu de tal forma o olho de sua órbita que, por oito dias, quase secou, pendendo para fora por uma película de um dedo de espessura. Quando só restava cortar fora, e estava praticamente desenganado pelos médicos, o pai dele voltou-se de toda mente para São Francisco. Ele, incansável protetor dos infelizes, não desiludiu as preces do suplicante. Com sua admirável virtude restituiu o olho seco ao seu lugar, devolvendo-lhe a luminosidade desejada dos raios de luz.
120 Na mesma região, em Castro, caiu do alto uma grossa trave e atingiu com gravidade a cabeça de um sacerdote, cegando o seu olho esquerdo. Jogado no chão, ele começou a gritar tristemente por São Francisco, dizendo: “Socorro, pai santíssimo, para que eu possa ir a tua festa, como prometi aos teus frades!”. Pois era a vigília do santo. Levantou-se bem depressa, completamente curado, e irrompeu em exclamações de louvor e de alegria, transformando em júbilo o espanto de todos os circunstantes, que lamentavam o acontecido. Foi à festa, contando a todos como provara a clemência e o poder do santo. Por isso, aprendam todos a venerar com devoção aquele que sabem que ajuda tão facilmente os que o veneram.
121 Quando o bem-aventurado Francisco ainda vivia, uma mulher de Narni, atacada pela cegueira, recuperou milagrosamente a vista por um sinal da cruz feito pelo santo.
122 Um homem de monte Gargano, chamado Pedro Romano, estava cortando lenha com um machado em sua vinha quando se machucou em um olho, dividindo-o pelo meio de tal forma que uma parte do globo pendia para fora. Como ficou desesperado nessa situação de conseguir auxílio de alguém, prometeu que não comeria nada na festa de São Francisco se ele o ajudasse. O santo de Deus repôs o olho no lugar na mesma hora, devolvendo-lhe a antiga luminosidade.
123 O filho de um nobre, cego de nascimento, conseguiu a desejada visão pelos méritos de São Francisco. Por causa disso, recebeu o nome de Iluminato. Quando teve idade, entrou na Ordem de São Francisco e, no fim, concluiu com um fim mais santo uma vida que iniciara santamente.
124 Bevagna é uma nobre aldeia que fica no vale de Espoleto. Nela morava uma mulher santa com uma filha virgem ainda mais santa e uma neta muito devota de Cristo. São Francisco as honrou muitas vezes hospedando-se com elas. Pois a mulher também tivera um filho na Ordem, homem de perfeição consumada. Mas uma delas, a neta, estava sem a luz dos olhos exteriores, ainda que os interiores, com os quais se vê Deus, fossem iluminados por uma maravilhosa clareza. Uma vez pediram a São Francisco que tivesse compaixão da doença dela e também considerasse o trabalho delas. Ele ungiu três vezes os olhos da cega com a sua saliva, em nome da Trindade, e lhe devolveu a desejada luz.
125 Em Città della Pieve vivia um jovem mendigo surdo e mudo de nascença j. Tinha a língua tão curta e pequena que muitos a tinham procurado sem conseguir enxergá-la. Um homem chamado Marcos recebeu-o como hóspede, por amor de Deus. Vendo que lhe faziam o bem, começou a morar normalmente com eles. Uma noite o referido homem estava jantando com sua mulher e, diante do menino, disse à esposa: “Acho que seria o maior milagre se São Francisco devolvesse a ele a capacidade de ouvir e de falar”. Et acrescentou: “Faço voto a Deus de que, se São Francisco se dignar fazer isso, por amor dele vou pagar todas as despesas deste menino enquanto ele viver”. Coisa admirável! De repente a língua cresceu e ele falou, dizendo: “Viva São Francisco, que estou vendo aí no alto e me deu fala e ouvido! Que é que vou dizer ao povo?”. Seu benfeitor respondeu: “Louvarás a Deus e salvarás muitas pessoas”. As pessoas daquela terra, que já o conheciam antes, ficaram cheias da maior admiração.
126 Uma mulher da região da Apúlia tinha perdido a fala fazia bastante tempo e respirava com dificuldade. Uma noite, quando estava dormindo, apareceu-lhe a Virgem Maria, dizendo: “Se queres ficar curada, vai à igreja de São Francisco em Venosa, que lá receberás a desejada saúde!”. A mulher se levantou e, como não podia respirar nem falar, fez sinais aos pais de que desejava ir a Venosa. Eles concordaram e foram com ela. Quando ela entrou na igreja de São Francisco, pedindo a ajuda dele de todo coração, vomitou na mesma hora uma massa de carne, na frente de todos, e ficou admiravelmente livre.
127 Na diocese de Arezzo uma mulher que estava muda já havia sete anos dirigia-se continuamente aos ouvidos de Deus, pedindo que ele lhe devolvesse a fala. Quando estava dormindo, apareceram dois frades vestidos de vermelho e a exortaram suavemente a consagrar-se a São Francisco. Ela obedeceu de boa vontade, fez o voto no coração, porque não podia falar, e logo, acordou do sono e recuperou a fala.
128 Um juiz, chamado Alexandre, tinha falado mal dos milagres de São Francisco e, para admiração de todos, ficou por mais de seis anos privado da fala. Castigado pelo pecado que cometera, ficou muito arrependido e se condoía de ter falado contra os milagres do santo. Então não perdurou a indignação do santo, mas restituiu a fala aos que se arrependera e pedira perdão humildemente, e o recebeu em sua graça. Desde então consagrou a língua blasfema aos louvores do santo pai, ficando muito mais devoto por causa do castigo.
129 Já que falamos de um blasfemo, lembro outra coisa boa de contar. Um cavaleiro chamado Gineldo, de Borgo, na província de Massa, falava muito mal das obras e milagres de São Francisco. Dirigia muitos opróbrios aos peregrinos que vinham recordá-lo e gritava contra os frades. Um dia, estava jogando dados e, cheia de doidice e incredulidade, disse aos que estavam com ele: “Se Francisco é santo, quero fazer pontos nos dados!”. Logo apareceram três números seis nos dados, e o mesmo aconteceu nove vezes que jogou os dados. O doido não se contentou, juntou mais um pecado ao pecado e continuou a blasfemar: “Se é verdade que Francisco é esse santo, que caia uma espada hoje no meu corpo: se ele não for santo, vou sair incólume!”. Não tardou a ira de Deus, e pelo juízo divino sua oração se lhe imputada como pecado. Acabado o jogo, como ofendeu um sobrinho, o rapaz pegou uma espada e a cravou nas vísceras do tio. O celerado morreu naquele mesmo dia, tornando-se escravo do inferno e filho das trevas. Os blasfemos devem temer, e não pensem que as palavras voam com o vento ou que falta quem castigue as injúrias feitas aos santos.
130 Uma mulher, chamada Sibila, depois de ter sofrido por muitos anos de cegueira, foi levada ao sepulcro do santo, cega e triste. Recuperando a visão, voltou alegre e exultante para casa.
131 Na aldeia de Vicalvi, da diocese de Sora, uma menina cega de nascimento foi levada pela mãe a um oratório de São Francisco, invocou o nome de Cristo e mereceu, pelo favor de São Francisco, obter a visão que nunca tivera.
132 Na cidade de Arezzo, uma mulher que não enxergara durante sete anos recuperou a visão em uma igreja de São Francisco construída perto da cidade.
133 Na mesma cidade, o filho de uma mulher pobre foi iluminado por São Francisco, a quem a mulher fizera um voto.
134 Um cego de Spello reencontrou a visão perdida havia muito tempo junto do túmulo do sagrado corpo.
135 Em Poggibonsi, na diocese de Florença, uma mulher cega começou a visitar um oratório de São Francisco, por causa de uma revelação. Levada para lá, estava suplicantemente prostrada diante do altar quando recebeu a visão e voltou sozinha para casa.
136 Uma outra mulher, de Camerino, tinha perdido toda a visão do olho direito, mas seus pais puseram sobre ele um pano que São Francisco tinha tocado, e assim, depois de fazer um voto, agradeceram ao Senhor Deus e a São Francisco por ela ter recuperado a visão.
137 Algo semelhante aconteceu com uma mulher de Gúbio que, feito um voto, alegrou-se pela recuperação da vista.
138 Um cidadão de Assis, cego fazia cinco anos, que sempre fora familiar de São Francisco durante sua vida, estava orando ao bem-aventurado e recordando sua antiga amizade quando tocou o sepulcro e foi libertado.
139 Albertino de Narni, perdendo a visão, tinha as pálpebras caídas no rosto, fez um voto a São Francisco e mereceu ser iluminado e curado.
140 Um moço, chamado Villa, não podia andar nem falar. A mãe fez um voto por ele e fez uma imagem de cera, levando-o com todo respeito ao lugar onde São Francisco repousa. Quando voltou para casa, encontrou o filho andando e falando.
141 Um homem, no bispado de Perusa, totalmente privado da fala, andava sempre com a boca aberta, bocejando horrorosamente. Tinha a garganta inchada e túmida. Quando chegou ao lugar onde descansa o santíssimo corpo, e quis chegar ao sepulcro subindo os degraus, vomitou muito sangue e ficou completamente livre, começando a falar e a fechar e abrir a boca como convém.
142 Uma mulher tinha uma pedra na garganta e, por causa de uma grande inflamação, ficou com a língua seca. Não conseguia falar, nem comer ou beber. Tendo tomado muitos remédios sem sentir nenhuma melhora ou alívio, finalmente fez um voto a São Francisco no coração e, de repente, abrindo a garganta, expeliu a pedra.
143 Bartolomeu da aldeia de Arpino, na diocese de Sora, privado da audição durante sete anos, invocou São Francisco e a recebeu de volta.
144 Na Sicília, uma mulher da aldeia de Piazza, privada da fala, rezou com a lingua do coração a São Francisco e recuperou a desejada graça de poder falar.
145 Na cidade de Nicosia, um sacerdote levantou-se de manhã como costumava e, quando um leitor lhe pediu a costumeira bênção, respondeu murmurando não sei que barbaridade. Assim endoidou, foi levado para casa e perdeu de uma vez a fala por um mês. Por sugestão de um homem de Deus, fez um voto a São Francisco, voltou a falar e ficou livre da insânia.
Capítulo 15
Sobre leprosos e hemorrágicos.
146 Em São Severino, um moço chamado Ato, estava todo leproso. Todos os membros que lhe restavam estavam túmidos e inchados e via tudo com um olhar horrível. Por isso ficava sempre doente na cama, causando muita tristeza em seus pais. Um dia seu pai se dirigiu a ele e o convenceu a fazer um voto a São Francisco. Ele concordou com alegria e o pai mandou buscar um pavio de vela com o qual mediu a altura dele. Prometeu que todos os anos levaria a São Francisco uma vela do tamanho do rapaz. Assim que fez o voto, ele se levantou do lugar e ficou limpo da lepra.
147 Um outro indivíduo, chamado Bom Homem, da cidade de Fano, paralítico e leproso, foi levado pelos pais à igreja de São Francisco e conseguiu a cura dos dois males.
148 Uma mulher nobre, chamada Rogata, na diocese de Sora, sofria de um fluxo de sangue havia vinte e três anos. Ouvindo um menino cantar em língua vulgar os milagres que Deus fizera pelo bem aventurado Francisco naqueles dias, comoveu-se com uma dor profunda, começou a chorar e a dizer dentro de si, com inflamada fé: “Ó beatíssimo pai Francisco, em quem brilham tantos milagres, digna-te livrar-me destes sofrimentos! Ainda não fizeste um milagre tão grande”. Pois, por perder sangue demais, volta e meia parecia que ela ia morrer; e quando a hemorragia diminuía, o corpo inteiro inchava. Que mais? Depois de poucos dias, sentiu-se libertada pelos méritos do pai beatíssimo. Também o filho dela, chamado Mário, que tinha um braço encolhido, só com um voto ao santo de Deus ficou curado.
149 Uma mulher da Sicília, cansada de uma hemorragia de sete anos, foi curada pelo bem-aventurado Francisco, porta-bandeira de Cristo.
Capítulo 16
Sobre insanos e endemoninhados.
150 Pedro de Foligno, que tinha ido visitar certa vez o santuário de São Miguel, provando da água de uma fonte, pareceu que tinha bebido demônios. Ficou obsesso por três anos, machucado no corpo, dizendo coisas péssimas e querendo fazer coisas horrorosas. Finalmente, mal tocou com a mão o sepulcro do bem-aventurado pai e invocou sua ajuda humildemente, e já ficou maravilhosamente livre dos demônios que o haviam atormentado tão cruelmente.
151 A uma mulher da cidade de Narni que tinha um demônio, mandou que fizesse o sinal da cruz. Como ela, perdida de mente, não soubesse absolutamente como fazer, o bem-aventurado pai fez-lhe o sinal da cruz e espantou todo o seu sofrimento diabólico.
152 Na Marítima, uma mulher sofria de loucura fazia cinco anos, e ficou sem enxergar e sem escutar. Estraçalhava a roupa com os dentes, não tinha medo nenhum nem do fogo nem da água, e sofria ataques horríveis de epilepsia. Uma noite, dispondo a divina misericórdia que ela fosse poupada, teve um sono salutar. Pois viu o bem-aventurado Francisco sentado em um trono muito bonito, diante do qual estava prostrada pedindo suplicantemente a saúde. Como o santo não correspondia aos pedidos, a mulher fez um voto, prometendo que por seu amor, quanto pudesse, nunca iria negar uma esmola. O santo logo aceitou o voto, semelhante ao que ele fizera em seu tempo com Deus, e marcando-a com o sinal da cruz, restituiu-lhe toda a saúde.
153 Em Nórcia, uma jovem sofria havia muito tempo um mal estar: no fim, revelou-se que estava possessa do demônio. Pois muitas vezes rangia os dentes e feria a si mesma, não evitava os precipícios nem tinha medo de perigos. Perdeu a fala e o uso dos membros, não parecendo mais um ser racional. Seus pais, angustiados por sua descendência, levaram-na a Assis amarrada em uma maca em cima de um jumento. No dia da Circumcisão do Senhor, enquanto se celebrava a Missa solene e a moça estava prostrada no chão junto ao altar de São Francisco, de repente vomitou alguma coisa maldita. Logo depois ficou em pé, beijou o altar de São Francisco e plenamente libertada de toda doença, exclamou em voz alta: “Louvai a Deus e ao seu santo (cfr. At 10,1.2)!”.
154 O filho de um nobre sofria do tormento doloroso da epilepsia. Espumava pela boca, olhava para tudo com um olhar estranho, e com o abuso dos membros cuspia algo de diabólico. Os pais imploravam o santo de Deus, pedindo remédio e oferecendo seu pobre filho à sua compaixão e piedade. Uma noite o amigo piedoso apareceu à mãe, que estava dormindo, e lhe disse: “Eu vim salvar o teu filho!”. Ouvindo isso, a mulher acordou e se levantou tremendo, mas encontrou o filho perfeitamente curado.
155 Acho que não posso calar-me sobre o maravilhoso poder que teve durante sua vida sobre os demônios. Na aldeia de San Gimignano, o homem de Deus, quando estava pregando o Reino dos céus, hospedou-se na casa de um homem temente a Deus, cuja mulher, como todos sabiam, era possessa do demônio. Rogaram por ela ao bem-aventurado Francisco, que, temendo o aplauso das pessoas, recusou-se terminantemente a fazer isso. No fim, movido pelos numerosos pedidos, colocou nos três ângulos três frades que estavam com ele para rezarem, retirando-se para orar no quarto ângulo. Quando acabou de rezar, chegou-se confiantemente à mulher, que era terrivelmente atormentada, e ordenou ao demônio, em nome de Jesus Cristo, que saísse. À sua ordem, ele saiu com tanta rapidez e furor que o homem de Deus julgou que tinha sido iludido. Por isso, saiu envergonhado daquele lugar. Quando passou outra vez por aquela aldeia, aquela mulher ia pela praça clamando atrás dele, beijando os rastos de seus pés, para que se dignasse falar com ela. O santo, recebendo a garantia de muitos de que ela tinha sido libertada, só então, concordou em falar com ela, porque muitos estavam pedindo.
156 Numa outra ocasião, estando o santo em Città di Castello, uma mulher que tinha o demônio foi levada à casa em que ele estava. Estava lá fora, rangia os dentes e perturbava todo mundo com seus gritos. Mas muitos rogaram ao santo de Deus por sua libertação, lamentando que já estavam atormentados havia muito tempo por aquela loucura. O bem-aventurado Francisco enviou-lhe um frade que estava com ele, querendo experimentar se era o demônio ou algum engano da mulher. Mas ela, sabendo que não era São Francisco, caçoou e fez pouco dele. O pai santo estava dentro da casa rezando. Quando acabou a oração, saiu ao encontro da mulher. Não agüentando sua presença, ela se revirava violentamente no chão. O santo de Deus impôs ao demônio que saísse por obediência. Saiu na mesma hora, e deixou a mulher incólume.
Capítulo 17
Sobre contraídos e aleijados
157 No condado de Parma um homem teve um filho com o pé torto, isto é, com o calcanhar para frente e os dedos para trás. Ele era pobre, mas devoto de São Francisco. Queixava-se todos os dias com São Francisco por aquele filho nascido para a vergonha, sempre exagerando sua pobreza. Dando voltas à mente, achou que o pé do menino podia ser endireitado à força, se seus membros fossem amolecidos em um banho e, como a ama concordava com ele, estava disposto a faze-lo. Mas, antes de tentar tamanha temeridade, quando tiraram as faixas, perceberam que o menino estava curado pelos méritos de São Francisco, como se nunca tivesse tido um defeito.
158 Em Scoppito, perto de Amiterno, um homem e sua mulher, tendo um filho só, choravam-no como se fosse a vergonha da família. Pois não parecia gente e sim um monstro, por alguma perversão, porque tinha os membros anteriores virados para traz. Os braços estavam grudados no pescoço, as mãos juntas no peito e os pés encostados nas nádegas, parecendo uma bola, não um corpo. Por isso, mantinham-no afastado de parentes e vizinhos, para que não o vissem, cheios de dor e, mais ainda, de vergonha. Além disso, o marido, muito sofrido, criticava a mulher porque não tinha tido um filho como as outras mas um monstro, que nem dava para comparar com os piores animais, e a atormentava dizendo que o juízo de Deus era por causa de alguma culpa dela. Ela, aflita pela dor e confusa pela vergonha, invocava Cristo gemendo e invocava a ajuda de São Francisco, para que se dignasse socorre-la, pois era infeliz nessa vergonha. Uma noite, enquanto estava adormecida, toda mergulhada nessa tristeza, apareceu-lhe São Francisco, consolando-a com palavras amáveis. Disse: “Levanta-te e leva o menino para um lugar próximo, dedicado ao meu nome, para lá dar-lhe um banho na água daquele poço. Logo que jogares daquela água sobre o menino, vai conseguir a saúde completa”. A mulher descuidou de cumprir a ordem do santo e ele apareceu mais uma vez, mas ela também não se importou com a insistência. Mas o santo, com dó de sua simplicidade, quis aumentar a misericórdia de um modo estupendo. Na terceira vez, apareceu-lhe acompanhado pela gloriosa Virgem e pelos santos Apóstolos, tomou-a com o menino e a colocou em um momento na frente da porta do referido lugar. Quando a aurora começou a surgir e toda aquela visão corporal desapareceu, a mulher, assustada e mais admirada do que se possa crer, bateu à porta. Causou nos frades uma grande admiração pela novidade do caso, esperando com toda confiança a cura do menino, já prometida três vezes. Chegaram depois, por devoção, algumas mulheres nobres daquele lugar, e ficaram muito admiradas do que ouviram. Logo tiraram água do poço e a mais nobre delas deu banho no menino com suas próprias mãos. Na mesma hora a criança ficou curada, com todos os membros no lugar, e a grandeza do milagre causou admiração em todos.
159 Na cidade de Cori, na diocese de Óstia, um homem tinha perdido completamente o uso de uma perna, de modo que não conseguia andar nem se mover. Tomado por uma angústia profunda e sem esperança na ajuda humana, certa noite, como se visse presente São Francisco, começou a se queixar diante dele: “Ajuda-me, São Francisco, lembrando do meu serviço a da devoção que tenho para contigo! Eu te carreguei no meu asno, beijei teus pés e tuas santas mãos; sempre fui teu devoto, sempre fui bom e, olha, agora estou morrendo de dor por este terrível sofrimento”. Comovido por essas queixas, o santo logo se lembrou dos benefícios, grato pela devoção, e apareceu com um frade ao homem acordado. Disse que tinha vindo porque fora chamado, e trazia o remédio para a cura. Tocou o lugar dolorido com um bastãozinho, que tinha a forma de um Tau e, rompendo-se o abcesso, a marca do Tau ficou até hoje no lugar. São Francisco assinava com esse sinal as suas cartas, sempre que precisava escrever alguma coisa por necessidade ou caridade.
160 Levaram ao seu sepulcro uma menina que havia um ano estava com o pescoço monstruosamente torcido e a cabeça enterrada no ombro, de modo que só de soslaio conseguia olhar para cima. Mas ela colocou por algum tempo a cabeça embaixo da urna em que jazia o precioso corpo do santo e imediatamente endireitou o pescoço. A transformação foi tão repentina que, assustada, fugiu chorando. Devido à prolongada enfermidade, estava com uma cavidade no ombro, no lugar em que a cabeça estivera dobrada.
161 No condado de Narni, havia um menino com uma perna tão torcida que não podia andar sem muletas. Impedido por essa doença desde criança, era um mendigo, e não conhecia pai nem mãe. Pelos méritos de São Francisco, ficou tão livre de seu mal, que passou a andar por toda parte sem muletas.
162 Um certo Nicolau, de Foligno, tinha a perna esquerda tão contraída que lhe causava uma dor enorme e gastara tanto com médicos para recobrar a saúde, que estava com dívidas acima de sua vontade e de suas posses. Finalmente, vendo que não tinha conseguido nada com os tratamentos, tão atormentado de dores que seus gritos e gemidos não deixavam dormir os vizinhos, fez um voto a Deus e a São Francisco, e pediu que o levassem ao seu sepulcro. Depois de ter passado uma noite orando diante do túmulo do santo, conseguiu estender a perna e voltou para casa sem muleta, louco de alegria.
163 Havia também um menino com uma perna tão contraída que o joelho estava ligado ao peito e o calcanhar às nádegas. Foi levado ao sepulcro de São Francisco, usando o pai um cilício para se mortificar, enquanto a mãe fazia grandes sacrifícios. Ficou completa e repentinamente curado.
164 Na cidade de Fano, havia um aleijado cujas pernas, cheias de feridas, tinham grudado nas nádegas e exalavam um mau cheiro tão forte que os enfermeiros não o queriam receber no hospital nem tratá-lo. Pelos méritos do santo pai Francisco, cuja misericórdia invocou, teve pouco depois a alegria de ficar curado.
165 Uma menina de Gúbio, de mãos retorcidas, perdera todo o uso dos membros havia mais de um ano. Sua ama, para obter a graça da saúde, levou-a com uma imagem de cera ao túmulo de nosso pai São Francisco. Depois de oito dias que estava lá,num dia teve os membros de tal forma recuperados que pôde voltar a fazer normalmente tudo que fazia antes.
166 Também outro menino de Montenero passou vários dias deitado diante da porta da igreja em que descansa o corpo de São Francisco, porque não podia andar nem sentar, destituído de forças e do uso dos membros da cintura para baixo. Um dia, entrou na igreja e tocou o sepulcro de nosso bem- aventurado pai São Francisco, voltando para fora são e salvo. Contava o próprio rapaz que, estando diante do túmulo do glorioso santo, apareceu-lhe um jovem vestido com o hábito dos frades. Estava em cima do sepulcro e tinha algumas peras nas mãos. Chamou o menino e lhe ofereceu uma pêra, animando-o para se levantar. O menino pegou a pêra de suas mãos e disse: “Sou aleijado e não posso me levantar”. Mas comeu a pera e começou a estender a mão para outra que o jovem lhe oferecia. Este insistiu em que se levantasse, mas o menino, sentindo-se preso pela doença, não se moveu. Então o moço deu-lhe a pêra mas tomou-lhe a mão estendida. Levou-o para fora e desapareceu de seus olhos. Vendo-se curado e incólume, o menino começou a gritar em alta voz, contando a todos o que lhe acontecera.
167 Também um outro cidadão de Gúbio levou o filho aleijado numa cesta para o túmulo do santo pai e o recebeu curado e incólume. Fora tão disforme que as pernas, além de grudadas às nádegas, tinham secado de todo.
168 Na diocese de Volterra havia um homem chamado Riccomagno, que mal podia se arrastar no chão com as mãos. A própria mãe o abandonara por causa dessa monstruosidade. Consagrou-se humildemente a São Francisco e foi libertado na hora.
169 Na mesma diocese, duas mulheres, chamadas Verde e Sanguínea, eram tão retorcidas que mal podiam se mover, a não ser carregadas, e tinham as mãos todas machucadas porque se apoiavam nelas para se mover. Só de fazer voto voltaram à saúde.
170 Um certo Tiago de Poggibonsi era tão dolorosamente curvo e retorcido que tinha a boca grudada nos joelhos. A mãe, viúva, levou-o a um oratório de São Francisco, e, depois de rezar ao Senhor pela sua libertação, levou-o de volta para casa são e salvo.
171 Em Vicalvi, a mão seca de uma mulher ficou igual à outra pelos méritos do santo pai.
172 Na cidade de Cápua uma mulher prometeu que visitaria pessoalmente o túmulo de São Francisco mas, esquecida do voto pelas preocupações da família, perdeu de repente o uso do lado direito. Com os nervos contraídos, não conseguia mexer de nenhum lado a cabeça e o braço. Assim, cheia de dores, perturbava os vizinhos gritando continuamente. Dois frades passaram na frente da casa e, a pedido de um sacerdote, entraram para ver a pobre. Ela se confessou pelo voto não cumprido, recebeu a bênção deles e na mesma hora levantou-se curada. Tornando-se mais sábia pelo castigo, cumpriu sem demora o que tinha prometido.
173 Bartolomeu de Narni dormindo embaixo de uma árvore, por ação do diabo perdeu totalmente o uso da perna e do pé. Sendo muito pobre, não sabia a quem recorrer. Mas Francisco, porta-bandeira de Cristo, que sempre amou os pobres, apareceu-lhe em sonhos, mandando que fosse a determinado lugar. Indo para lá, mas tendo saído do caminho direto, ouviu uma voz que lhe dizia: “A paz esteja contigo! Eu sou aquele a quem te consagraste”. Levando-o para o lugar, colocou, como lhe pareceu, uma mão no pé e outra na perna, restaurando assim os membros ressequidos. Tinha sido aleijado por seis anos, e era, então, de idade avançada.
174 Fez muitos outros sinais parecidos de virtude, quando ainda vivia na carne. Assim, passando uma vez pela diocese de Rieti, chegou a uma aldeia em que uma mulher, em prantos, colocou diante dele um filho de oito anos que trazia nos braços. Pois já fazia quatro anos que o menino estava tão inchado que nem podia ver as pernas. O santo recebeu-o bondosamente, passando sobre seu ventre aquelas suas santíssimas mãos. Ao seu contato, o tumor desinchou, ele logo ficou curado e, com a alegre mãe, agradeceu muito a Deus e a seu santo.
175 Na cidade de Toscanella, um cavaleiro hospedou São Francisco. Seu filho único era coxo e fraco no corpo todo. Ainda que já tivesse passado do tempo de mamar, ainda ficava deitado no berço. Ele se prostrou humildemente diante dos pés do santo homem e pediu gemendo a cura do filho. O santo se achava indigno de tamanha graça e o disse mas, no fim, vencido pela instância dos pedidos, fez uma oração, assinalou e abençoou o menino. Na mesma hora, com todos vendo e se alegrando, ele se levantou curado e começou a andar para cá e para lá, como quis.
176 Em outra ocasião, chegando a Narni, um homem da cidade, chamado Pedro, que jazia paralítico na cama, ouvindo dizer que o santo de Deus estava em Narni, mandou pedir ao bispo da cidade que se dignasse mandar o servo de Deus Altíssimo para curá-lo. Tinha perdido de tal forma o uso de todos os membros, que só conseguia mexer para todos os lados a língua e os olhos. O bem-aventurado Francisco se aproximou dele e lhe fez um sinal da cruz da cabeça aos pés. Logo toda doença foi afastada e ele recuperou a saúde de antes.
177 Em Gúbio, uma mulher tinha as duas mãos retorcidas e não podia fazer nada com elas. Quando soube que o homem de Deus tinha entrado na cidade, doente e triste correu logo para ele, mostrando-lhe as mãos com rosto suplicante. Movido de piedade por ela, tocou-lhe as mãos e as curou. A mulher, voltando logo para casa, preparou toda feliz com suas próprias mãos uma torta de queijo, que ofereceu ao santo homem. Ele pegou um pouquinho por causa da devoção profunda da mulher, mandando que ela comesse o resto com a família.
178 Uma vez chegou à cidade de Orte para se hospedar, quando um menino, chamado Tiago, encolhido havia muito tempo, estava diante dele com os pais, esperando que o santo lhe desse a saúde. Pela longa enfermidade, tinha a cabeça encostada nos joelhos e alguns ossos quebrados. Quando recebeu o sinal da cruz de São Francisco, começou a se desenrolar na hora e, totalmente endireitado, ficou bem libertado.
179 Um outro habitante da mesma cidade, tinha entre os ombros um inchaço do tamanho de um pão grande. Recebeu um sinal de São Francisco e assim ficou plenamente libertado, de maneira que não sobrou nenhum vestígio.
180 No hospital de Città di Castello, um moço que todo mundo conhecia estava encolhido havia sete anos, e se arrastava pelo chão como um animal. Sua mãe suplicava freqüentemente a São Francisco para que reparasse o andar do filho, que era como um réptil. O santo acolheu o voto feito e ouviu o gemido da mãe que suplicava: de repente, soltando as amarras monstruosas, restituiu o filho à liberdade natural.
181 Praxedes era a mais famosa das religiosas de Roma e do território romano. Desde a mais tenra infância, por amor do Esposo eterno, já se prendera em estreito cárcere por quase quarenta anos, e gozava de especial amizade de São Francisco. Pois, o que não fez com mais nenhuma mulher, recebeu-a na obediência, concedendo-lhe devotamente o hábito da Ordem: a túnica e o cordão. Certo dia ela subiu ao sótão de sua cela para buscar o que precisava, mas teve uma tontura e levou um tombo cruel, caindo no chão: fraturou um pé e uma perna e ainda deslocou completamente um ombro. A virgem de Cristo, nos anos passados, tinha desconhecido o rosto de todos e queria fazer o mesmo para sempre por um firme propósito. Jazia então por terra como um tronco, e como não aceitava ajuda de ninguém, não sabia a quem recorrer. Por ordem de um cardeal e a conselho de religiosos, exortaram-na a quebrar o cárcere, para poder gozar do consolo de alguma mulher religiosa, evitando o perigo de morrer, o que bem podia acontecer por descuido ou negligência. Mas ela se recusava absolutamente a fazer isso, resistia como podia para não faltar nem um pouquinho ao voto que fizera. Por isso voltou-se suplicantemente aos pés da misericórdia divina, e com piedosas queixas, já pela tarde, reclamou do santíssimo pai Francisco: “Meu santíssimo pai, que socorres com bondade, em toda parte, a necessidade de tanta gente que nem conheceste quando vivias, por que não vens me socorrer agora que estou necessitada, pois, ainda que indigna, mereci tua amizade durante a tua vida? Porque, como podes ver, bem-aventurado pai, tenho que mudar o voto ou enfrentar o juízo da morte”. Enquanto dizia essas coisas no coração e na boca, e implorava o afeto misericordioso com muitos soluços, foi tomada por um sono imprevisto e entrou em êxtase. Eis que o pai bondosíssimo, em brancas vestes da glória, desceu ao cárcere escuro e começou a falar docemente com ela: “Levanta-te, filha bendita, levanta-te sem medo. Recebe o sinal da saúde perfeita e mantém inviolavelmente o teu propósito!”. Tomando a mão dela, levantou-a e desapareceu. Ela, virando-se para todos os lados em sua pequena cela, não entendia o que tinha sido feito nela pelo servo de Deus. Achava que estava tendo uma visão. No fim, chegou à janela e fez o sinal costumeiro. Um monge veio rapidamente e, mais admirado do que se possa crer, disse-lhe: “O que aconteceu, madre, que pudeste levantar-se?” Mas ela, achando que ainda estava a sonhar, e não sabendo que era ele, pediu que acendesse o fogo. Quando lhe trouxeram luz, caiu em si, percebeu que não sentia nenhuma dor, e contou em ordem tudo que tinha acontecido.
Capítulo 18
Sobre diversos outros milagres.
182 Na diocese de Magliano Sabino, havia uma velhinha octogenária que tivera duas filhas. Uma delas, já morta, deixara um filho para a outra amamentar. Mas essa ficou grávida de seu marido e ficou sem leite nas mamas. Não havia, então, ninguém que socorresse o bebê, ninguém que desse ao menino sequioso uma gota de leite. A velhinha sofria e se atormentava pelo netinho, e sofrendo de extrema pobreza, não sabia a quem recorrer. O menino se enfraqueceu, desmaiava e a avó morria de compaixão com ele. Andou pelos becos e casas mas ninguém a libertava de seus clamores. Certa noite, para aplacar os vagidos colocou na boca da criança os seus peitos secos e, chorando, pediu a São Francisco conselho e ajuda. Logo apareceu aquele que amava a idade inocente e, com a costumeira bondade, teve compaixão da pobre. Disse: “Eu sou Francisco, ó mulher, a quem invocaste com tantas lágrimas. Põe as mamas na boca do bebê, porque Deus vai te dar leite abundante”. A velha obedeceu a ordem do santo e na mesma hora os seios octogenários produziram muito leite. O fato ficou conhecido por todos, porque era claramente visível e deixou todo mundo admirado de ver a encurvada velhinha reverdecer de calor juvenil. Muitas pessoas foram ver e, entre elas, o conde daquela região, que não acreditou no que diziam mas teve que admitir por experiência. De fato, a velhinha enrugada esguichou um rio de leite em cima do conde que seria saber do fato, fazendo-o fugir com essa aspersão. Então todos bendisseram ao Senhor, o único que realiza maravilhas, e veneraram com devoto obséquio o seu servo Francisco. O menino cresceu depressa com aquele alimento admirável e logo superou as condições de sua idade.
183 Um homem chamado Martinho tinha levado os bois para pastar longe de sua aldeia. Por acidente, quebrou-se gravemente a perna de um boi, e Martinho não conseguia fazer nada. Pensando em tirar o couro do animal mas não tendo nenhum instrumento para isso, voltou para casa, deixando o boi aos cuidados de São Francisco, para que os lobos não o devorassem antes de sua volta. Bem cedinho voltou ao boi deixado no bosque junto com o homem que ia fazer o serviço, mas encontrou o boi pastando de tal modo, que não conseguiu distinguir que perna tinha estado quebrada. Deu graças ao bom pastor, que tinha cuidado e dado remédio.
184 Um outro homem, de Amiterno, tinha perdido fazia três anos o seu jumento, roubado. Voltou suas orações a São Francisco ajoelhando-se diante dele com lamentações e súplicas. Certa noite, tendo adormecido, ouviu uma voz que lhe dizia: “Levanta-te, vai a Espoleto e de lá vais trazer teu jumento”. Acordou admirado com aquela voz, mas dormiu de novo. Foi chamado mais uma vez, teve de novo uma visão parecida mas, virando-se, perguntou quem era. Ele disse: “Eu sou aquele Francisco que invocaste”. Como ainda tinha medo de que fosse uma ilusão, deixou de cumprir a ordem. Mas foi chamado pela terceira vez, e obedeceu devotamente. Foi a Espoleto e encontrou o jumento sadio. Recuperou-o sem dificuldade e voltou para casa. Contou esse fato para todos e se fez servo perpétuo de São Francisco.
185 Um cidadão de Interdoclo tinha comprado uma bacia muito bonita e a dera à mulher para que a guardasse cuidadosamente. Um dia, uma empregada da mulher pegou a bacia e pôs dentro panos com lixívia para lavar. Mas tanto pelo calor do sol quando pela acidez da lixívia, a bacia se partiu e já não servia para mais nada. A empregada foi tremendo levar a bacia para sua senhora e mostrou o que tinha acontecido mais com lágrimas do que com palavras. A mulher, não menos assustada, com medo da raiva do marido, tinha como certo que ia apanhar. Escondeu bem a bacia e invocou os méritos de São Francisco, pedindo a sua graça. De repente, com a ajuda do santo, as partes se juntaram e a bacia estragada se reintegrou. Alegraram-se as vizinhas, que antes tinham ficado com pena da coitada; a mulher foi a primeira que contou o fato maravilhoso ao marido.
186 Um dia um homem de Monte dell’Olmo, nas Marcas, estava pondo a relha no arado e percebeu que ela estava toda quebrada. Ficou triste tanto pela quebra da relha quanto pela perda do dia e chorou bastante. Dizia: “Ó bem-aventurado Francisco, socorre-me que confio na tua misericórdia! Vou dar uma medida de trigo todos os anos a teus frades e vou cuidar de seus serviços se tiver agora a experiência de tua graça, como tantos já tiveram”. Terminada a oração, a relha se firmou, soldou-se o ferro e não ficou nem sinal da rachadura.
187 Um clérigo de Vicalvi, chamado Mateus, tendo bebido um veneno mortal, ficou tão atacado e manifestamente ferido que nem conseguia falar e só esperava o fim. Um sacerdote o admoestou a que se confessasse e não conseguiu tirar nenhuma palavra dele. Mas ele estava rezando no seu coração humildemente a Cristo, para que o libertasse pelos méritos de São Francisco. Logo, mal pronunciou com voz chorosa o nome de São Francisco, vomitou o veneno na frente de testemunhas.
188 O senhor Trasmundo Anibaldi, cônsul de Roma, no tempo em que ocupava o cargo de podestá de Sena, na Toscana, tinha consigo um certo Nicolau, muito querido e disponível para cuidar das coisas da família. De repente manifestou-se uma doença mortal em seu maxilar, e os médicos achavam que estava à morte. Estando um pouco adormecido, teve uma visão da Virgem Mãe de Cristo, que lhe mandava fazer um voto a São Francisco e visitar sem demora o seu santuário. Levantou-se de manhã, contou a visão ao seu senhor, que ficou muito admirado, e correu para fazer a experiência. Tendo ido com ele a Assis, diante do túmulo de São Francisco recebeu logo o amigo curado. Foi admirável essa cura, mas ainda mais admirável a bondade da Virgem, que se dignou vir socorrer o homem doente e exaltou os méritos de nosso santo.
189 Este santo sabe muito bem socorrer todos os que o invocam e não desdenha das necessidades de ninguém. Na Espanha, em Sahagun, um homem tinha uma cerejeira no jardim que, todos os anos, dava muitos frutos, proporcionando lucro k ao seu dono. Mas em certa ocasião a árvore secou e morreu até as raízes. O senhor pensou em arrancá-la para não ocupar mais terreno, mas um vizinho o aconselhou a confiá-la a São Francisco, e ele concordou. De maneira admirável, contra tudo que se podia esperar, a árvore reverdesceu, floresceu, cobriu-se de folhas e produziu frutos como costumava. Em agradecimento por tão grande milagre, todos os anos ele levava frutas para os frades.
190 Em Villasilos, as videiras tinham sido atacadas por uma peste de vermes. Então os habitantes pediram conselho a um frade da Ordem dos Pregadores para darem remédio a essa peste. Ele lhes sugeriu que escolhessem dois santos, os que quisessem, e que elegessem um deles, São Francisco ou São Domingos, para que fosse o seu patrono. Tirando a sorte, caiu em São Francisco. Os homens recorreram à sua ajuda e a peste foi afastada na mesma hora. Por isso, têm especial devoção para com ele e veneram com muito afeto a sua Ordem. De fato, todos os anos, por causa do milagre, fazem uma oferta de vinho de suas vinhas como esmola aos frades.
191 Perto de Palência, um sacerdote tinha um celeiro para conservar trigo, mas todos os anos ele era invadido pelo gorgulho, insetos especiais do trigo, que causavam dano ao sacerdote. O sacerdote, perturbado por toda essa despesa, pensou em algum remédio e confiou o celeiro à proteção de São Francisco. Feito isso, depois de pouco tempo encontrou todos os insetos juntos e mortos fora do celeiro, e nunca mais teve que sofrer a peste. Devoto por ter sido atendido, e grato pelo benefício, esse sacerdote fazia todos os anos uma doação de trigo aos pobres por amor a São Francisco.
192 No tempo em que uma odiosa peste de gafanhotos devastou o reino da Apúlia, o senhor de um castelo chamado Petramala, confiou suplicantemente sua terra a São Francisco. Pelos méritos do santo, a terra ficou totalmente livre da maldita peste, ainda que ela tivesse devorado tudo nas redondezas.
193 Uma senhora nobre do castelo de Galete sofria de uma fístula entre os seios. Aflita pela dor e pelo mau cheiro, não conseguia encontrar nenhum remédio salutar. Um dia, entrou para rezar na igreja dos frades, e viu um livrinho que continha a vida e os milagres de São Francisco. Curiosa folheou-o atentamente. Quando ficou sabendo da verdade, pegou o livro banhada em lágrimas e o abriu sobre o lugar doente, dizendo: “Como são verdadeiros, ó São Francisco, os fatos escritos nestas páginas, que eu também fique livre agora desta chaga!”. Chorou por algum tempo, insistindo na oração. De repente, tirando as ataduras, viu que estava tão curada que depois nem ficou nenhum vestígio de cicatriz.
194 Aconteceu algo semelhante lá pelos lados da România, quando um pai fez piedosas preces a São Francisco por um filho que tinha uma grave úlcera. Disse: “Se são verdadeiros, ó santo de Deus, os milagres que divulgam a teu respeito por todo o mundo, vou experimentar a clemência de tua piedade neste meu filho, para louvor de Deus”, De repente, rompendo-se a atadura, na frente de todos saiu o pús da ferida e a carne do menino ficou curada e sem nenhum sinal da doença que tivera.
195 Quando São Francisco ainda vivia na carne, um frade foi atormentado por uma doença horrível, de modo que seus membros se enrolavam como uma bola. De fato, às vezes ficava estendido e rígido, com os pés na altura da cabeça, era jogado para cima na altura de um homem e caía de repente no chão, enrolando-se com espuma na boca. Com muita pena dessa doença, o santo pai rezou por ele, curou-o com um sinal da cruz de tal forma que nunca mais teve os sintomas dessa enfermidade.
196 Depois da morte do bem-aventurado pai, um outro frade sofria de uma fístula tão grave na região ilíaca que já tinha perdido toda esperança de ser curado. Tinha pedido a seu ministro permissão para visitar o lugar do bem-aventurado Francisco, mas o ministro não deu licença, temendo que o cansaço da viagem aumentasse o perigo, e o frade ficou um tanto triste. Uma noite São Francisco lhe apareceu, dizendo: “Não fique triste, meu filho. Tira essa pele que estás vestindo, remove o emplastro da chaga, observa a tua regra, que logo ficarás curado”. Levantando-se de manhã, fez o que o santo mandara e obteve uma repentina cura.
197 Um homem, gravemente ferido na cabeça por uma flecha de ferro, não podia ser absolutamente ajudado pelos médicos, porque a flecha entrara pela órbita do olho e ficara presa na cabeça. Com súplice devoção, ele se consagrou a São Francisco. Descansando e dormindo um pouco, ouviu São Francisco dizendo-lhe em sonhos que devia fazer tirar a flecha pela parte de trás da cabeça. No dia seguinte, fez como tinha ouvido em sonhos e ficou livre sem grande dificuldade.
Capítulo 19
Conclusão final dos milagres de São Francisco
198 Como a imensa piedade de Cristo Senhor confirma as coisas que foram escritas e divulgadas sobre o seu santo e nosso pai com os milagres feitos, e porque parece absurdo submeter ao juízo humano o que foi aprovado por milagre, eu, humilde filho desse pai, suplico e peço a todos que acolham os milagres descritos com devoção e os escutem com reverência. Mesmo que tenham sido narrados com menos dignidade, são por si mesmos digníssimos de receber a maior veneração. Por isso, não desprezem a pouca perícia do narrador, mas considerem sua fé, seu esforço, seu trabalho. Não podemos cunhar todos os dias coisas novas nem mudar o que é quadrado em redondo, e nem mesmo aplicar a variedades tão distintas de tantos tempos e tendências o que recebemos como uma unidade. De maneira alguma nos pusemos a escrever essas coisas por vaidade, nem nos deixamos levar pelo instinto de nossa vontade própria no meio de tamanha variedade de expressões, pois nos levaram ao trabalho as pressões e pedidos dos frades e a autoridade dos superiores nos fez ir até o fim. Esperamos a retribuição de Cristo Senhor, e a vós, irmãos e pais, pedimos compreensão e amor. Que assim se faça! Amém! O livro acabou; louvor e glória a Cristo!
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