Memórias da Irmã Lúcia, Vol. II, (p.139-140)
Apesar desta decadência, a Mãe dizia resignada: - Por este andar, não sei aonde
vamos parar! Mas confiamos em Deus que sempre nos há-de ajudar, e na protecção
de Nossa Senhora que é a minha Madrinha do baptismo. Com tudo isto, a Mãe
nunca deixou de socorrer os pobres. Dizia: “Temos pouco, mas esse pouco ainda
há-de chegar para socorrer os que têm menos do que nós”.
Cumpria assim o que nos diz Deus na Sagrada Escritura: “comerás o pão com
o suor do teu rosto. E socorrerás o pobre nas suas necessidades”.
Irmã Lúcia, Apelos da Mensagem de Fátima, p. 41
Nos seus lares, não havia riqueza de bens terrenos, que o mundo tanto preza;
mas com o pouco necessário para cada dia, havia paz, união, havia alegria e amor,
fruto da mútua compreensão, do recíproco perdão e desculpa das deficiências inerentes
à fraqueza humana. Assim todos eram felizes: todos se sentiam bem, porque0
cada um procurava servir e dar gosto a seus pais e irmãos. Assim o pouco chegava
para muitos, porque posto em comum: tudo era de todos.
A propósito, permiti que vos narre um pormenor, que prova a verdade do que
acabo de vos dizer e de que conservo uma grata lembrança, por ter ouvido a minha
mãe, comovida, repeti-lo várias vezes. Ela sabia quanto era amiga de comer fruta a
sua filhinha mais pequena. Um dia observou como esta espreitava com entusiasmo
o aparecimento dos primeiros figos lampos; logo que avistou um já maduro, colheuo
sorrateira e, correndo, veio a casa trazê-lo à mãe, para que fosse ela a comê-lo.
Então, comovida, toma nas mãos a oferta, beija a filha e diz-lhe que o guarde para
repartir à noite com o pai e os irmãos. Um figo para todos não era nada, mas o amor
que acompanhou a pequena parcela que coube a cada um, do primeiro figo amadurecido
nas figueiras da casa naquele ano, era muito e esse era o que a todos fazia
felizes, dava alegria e satisfação.
Memórias da Irmã Lúcia, Vol. II (p.83)
Do que já deixo descrito e do que ainda irei recordando dos poucos anos que
tive a felicidade de viver a seu lado, iremos vendo como tudo aparece como que
brotando de todo o seu agir, com tanta naturalidade, simples e humilde, como de
uma fonte de água cristalina brotam os riachos que regam e fertilizam as terras. Já na
Quinta Memória, deixo descrito como a nossa casa era como que a casa de todos:
tinha uma porta onde todos batiam, e a todos se abria com a mesma boa vontade
de acolhimento, serviço e caridade. A mãe parecia que só sabia dizer que sim. A
ninguém recusava os seus serviços quando os solicitavam e, muitas vezes, até se
adiantava.
Memórias da Irmã Lúcia, Vol. I (p. 46-48)
A Jacinta tomou tanto a peito os sacrifícios pela conversão dos pecadores, que
não deixava escapar ocasião alguma. Havia umas crianças, filhos de duas famílias
da Moita, que andavam pelas portas a pedir. Encontrámo-las, um dia, quando íamos
com o nosso rebanho. A Jacinta, ao vê-los, disse-nos: Damos a nossa merenda
àqueles pobrezinhos, pela conversão dos pecadores? E correu a levar-lha.
Combinámos, sempre que encontrássemos os tais pobrezinhos, dar-lhes a
nossa merenda; e as pobres crianças, contentes com a nossa esmola, procuravam
encontrar-nos e esperavam-nos pelo caminho. Logo que os víamos, a Jacinta corria
e levar-lhes todo o nosso sustento desse dia, com tanta satisfação, como se não lhe
fizesse falta.
A Jacinta parecia insaciável na prática do sacrifício. Um dia, um vizinho ofereceu
a minha mãe uma boa pastagem para o nosso rebanho; mas era bastante longe
e estávamos no pino do Verão. Minha mãe aceitou o oferecimento feito com tanta
generosidade e mandou-me para lá. Como havia perto uma lagoa, onde o rebanho
podia ir beber, disse-me que era melhor passarmos lá a sesta, à sombra das árvores.
Pelo caminho, encontrámos os nossos queridos pobrezinhos e a Jacinta correu a
levar-lhes a esmola. O dia estava lindo, mas o sol era ardente; e naquela pregueira
árida e seca, parecia querer abrasar tudo. A sede fazia-se sentir e não havia pinga
d’água para beber! A princípio, oferecíamos o sacrifício com generosidade, pela conversão
dos pecadores; mas, passada a hora do meio-dia, não se resistia. Propus,
então, aos meus companheiros, ir a um lugar, que ficava cerca, pedir uma pouca de
água. Aceitaram a proposta e lá fui bater à porta duma velhinha que, ao dar-me uma
infusa com água, me deu também um bocadinho de pão que aceitei com reconhecimento
e corri a distribuir com os meus companheiros. Em seguida, dei a infusa
ao Francisco e disse-lhe que bebesse. – Não quero beber – respondeu. – Por quê?
– Quero sofrer pela conversão dos pecadores. – Bebe tu, Jacinta! –Também quero
oferecer o sacrifício pelos pecadores!
Memórias da Irmã Lúcia, Vol. I, (p. 136-137)
Se alguma das outras crianças porfiava em tirar-lhe alguma coisa que lhe pertencesse,
dizia: - Deixa lá! A mim que me importa? Recordo que [o Francisco] chegou,
um dia, a minha casa com um lenço do bolso, com Nossa Senhora de Nazaré
pintada, que dessa praia acabavam de lhe trazer. Mostrou-mo com grande alegria e
toda aquela criançada o veio admirar. De mão em mão, a poucos instantes, o lenço
desapareceu. Procurou-se, mas não se encontrava. Pouco depois, descobri-o no
bolso dum outro pequeno. Quis-lho tirar, mas ele porfiava que era dele, que também
lho tinham trazido da praia. Então, o Francisco, para acabar com a contenda,
aproximou-se, dizendo: - Deixa-o lá! A mim que me importa o lenço?
Memórias da Irmã Lúcia, Vol. II, (p.96)
Com certa frequência, vinham a perguntar se a Mãe tinha frangos que pudesse
vender-lhes um, porque tinham alguma pessoa de família doente que não comia
outra coisa. A Mãe dizia que sim. Com um pouco de milho, chamava as galinhas
e, enquanto que elas comiam, agarrava um frango que entregava às pessoas. Elas
perguntavam quanto custava. A Mãe, se eram pessoas que podiam pagar, respondia
que era como estivessem na praça; se eram pobres, que pediam para esperar
pelo dinheiro que naquela ocasião não tinham mas que vinham trazê-lo logo que o
tivessem, a estas a Mãe respondia: - Não vos preocupeis com o ter de pagar. A mim,
já Deus me pagará. Levai lá o frango e, se for preciso mais algum, vinde buscá-lo e
Deus permita que o doente melhore e se ponha bom.
Parecia que a Mãe conhecia o que nos diz S. Paulo: «Cada um dê como dispôs
em seu coração, sem tristeza nem constrangimento, pois Deus ama quem dá com
alegria. E Deus tem poder para vos cumular de toda a espécie de graça, para que,
tendo sempre e em tudo quanto vos é necessário, ainda vos sobre para as boas
obras de todo o género. Como está escrito: ‘Distribuiu, deu aos pobres; a sua justiça
permanece para sempre’» (2 Cor 9, 7-9).
Memórias da Irmã Lúcia (p.62-63)
De novo a Santíssima Virgem se dignou visitar a Jacinta, para lhe anunciar novas
cruzes e sacrifícios. Deu-me a notícia e dizia-me: – Disse-me que vou para Lisboa,
para outro hospital; que não te torno a ver, nem os meus pais; que, depois de
sofrer muito, morro sozinha, mas que não tenha medo; que me vai lá Ela a buscar
para o Céu. E chorando, abraçava-me e dizia: – Nunca mais te torno a ver. Tu lá não
me vais a visitar. Olha, reza muito por mim, que morro sozinha. Até que chegou o
dia de ir para Lisboa, sofreu horrivelmente! Abraçava-se a mim e dizia, chorando: –
Nunca mais te hei-de tornar a ver?! Nem a minha mãe, nem os meus irmãos, nem o
meu pai?! Nunca mais hei-de ver ninguém?! E depois morro sozinha! – Não penses
nisso – Ihe disse um dia. – Deixa-me pensar, porque, quanto mais penso, mais sofro;
e eu quero sofrer por amor de Nosso Senhor e pelos pecadores. E depois não me
importo! Nossa Senhora vai-me lá a buscar para o Céu. Às vezes beijava um crucifixo
e, abraçando-o, dizia: – Ó meu Jesus, eu Vos amo e quero sofrer muito por Vosso
amor. Outras vezes dizia: – Ó Jesus, agora podes converter muitos pecadores,
porque este sacrifício é muito grande! Perguntava-me, às vezes: – E vou morrer sem
receber a Jesus escondido? Se m’O levasse Nossa Senhora, quando me for a buscar!...
Perguntei-lhe uma vez: – Que vais a fazer no Céu? – Vou amar muito a Jesus, o
Imaculado Coração de Maria, pedir muito por ti, pelos pecadores, pelo Santo Padre,
pelos meus pais e irmãos e por todas essas pessoas que me têm pedido para pedir
por elas. Quando a mãe se mostrava triste por a ver tão doentinha dizia: – Não se
aflija, minha Mãe: vou para o Céu. Lá hei-de pedir muito por si.
Memórias da Irmã Lúcia (p.162)
Na doença, o Francisco mostrou-se sempre alegre e contente. Às vezes, perguntava-
lhe: - Sofres muito, Francisco? - Bastante; mas não importa. Sofro para
consolar a Nosso Senhor; e depois, daqui a pouco, vou para o Céu! - Lá, não te
esqueças de pedir a Nossa Senhora que me leve para lá também depressa. - Isso
não peço! Tu bem sabes que Ela não te quer lá ainda.
Nas vésperas de morrer, disse-me: – Olha: estou muito mal; já me falta pouco
para ir para o Céu. – Então vê lá: não te esqueças de lá pedir muito por os pecadores,
por o Santo Padre, por mim e pela Jacinta. – Sim, eu peço. Mas olha: essas coisas
pede-as à Jacinta, que eu tenho medo de me esquecer, quando vir a Nosso Senhor!
E depois antes O quero consolar.
Irmã Lúcia, Apelos da Mensagem de Fátima (p. 203)
Sabemos também que, no espaço, há muitos planetas que ainda não vimos,
muitas estrelas cuja luz ainda não chegou até nós. Ainda ninguém foi capaz de medir
a extensão do firmamento. Ora, Deus que criou esta extensão indefinida, também
pode ter criado um «lugar», um paradeiro, uma estadia a que deu o nome de Céu,
destinado a ser a morada de Deus e a dos Seus eleitos, pelos séculos sem fim.
Dizem que o Céu consiste na posse de Deus: não há dúvida de que Deus é o manancial
de toda a felicidade e que possuindo a Deus seremos eternamente felizes.
Irmã Lúcia, Como vejo a mensagem (p. 44)
Foi então que a celeste Mensageira, abrindo os braços com um gesto de maternal
protecção, nos envolveu no reflexo da Luz do imenso Ser de Deus. Foi uma graça
que nos marcou para sempre na esfera do sobrenatural.
Oh! Não fosse Ela o refúgio dos pecadores, a Mãe de misericórdia, o auxílio dos
cristãos, que A tenha feito descer até nós, para introduzir-nos, Senhor, no Oceano do
Teu amor, do Teu poder, do Teu imenso Ser, onde essa chama ardente nos fará viver
para sempre, esse mistério do amor dos Três por mim! É com esse amor, que heide
adorar-Te, agradecer-Te, amar-Te, transformada no cântico do Teu eterno louvor.
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