quarta-feira, 7 de março de 2012

A Agonia de Jesus - Pelo Santo Padre Pio

Espírito Divino iluminai a minha inteligência, inflamai o meu coração, enquanto medito na Paixão de Jesus.

Ajudai-me a penetrar nesse mistério de amor e sofrimento do meu Deus, que, feito homem sofre, agoniza, morre por mim.

Ó Eterno, ó Imortal, descei até nós para sofrer um martírio inaudito, a morte infame sobre a cruz no meio dos insultos, de impropérios e ignomínias, a fim de salvar a criatura que o ultrajou e continua a atolar-se na lama do pecado.

O homem saboreia o pecado e, por causa do pecado, Deus está mortalmente triste; os tormentos duma agonia cruel fazem-no suar sangue!...

Não, não posso penetrar neste oceano de amor e de dor sem a ajuda da vossa graça, ó meu Deus. Abri-me o acesso à mais íntima profundidade do coração de Jesus, para que eu possa participar da amargura que o conduziu ao Jardim das Oliveiras, até às portas da morte — para que me seja dado consolá-lo no seu extremo abandono. Ah! Pudesse eu unir-me a Cristo, abandonado pelo Pai e por Si próprio, a fim de expirar com Ele!

Maria, Mãe das Dores, permiti que eu siga Jesus e participe intimamente da sua Paixão e do seu sofrimento!

Meu Anjo da guarda velai para que as minhas faculdades se concentrem todas na agonia de Jesus e nunca mais se desprendam... No termo da sua vida terrestre, depois de se nos ter inteiramente entregue no Sacramento do seu amor, o Senhor dirige-se ao Jardim das Oliveiras, conhecido dos discípulos, mas de Judas também. Pelo caminho ensina-os e prepara-os para a sua Paixão iminente convida-os, por Seu amor, a sofrer calúnias, perseguições até à morte, para os transfigurar à semelhança dele, modelo divino. No momento de começar a sua Paixão amaríssima, não é nele que pensa; pensa em ti.

Que abismos de amor não contém o seu Coração! A sua Santa Face é toda tristeza, toda ternura. As suas palavras jorram da profundidade mais íntima do seu coração, e são todas palpitação de amor.

— Ó Jesus, o meu coração perturba-se quando penso no amor que vos obriga a correr ao encontro da
vossa Paixão. Ensinastes-nos que não há amor maior que dar a vida por aqueles a quem se ama. Eis que estáis prestes a selar estas palavras com o vosso exemplo.
No Jardim da Oliveiras, o Mestre afasta-se dos discípulos e só leva três testemunhas da sua Agonia: Pedro, Tiago e João. Eles, que o viram transfigurado sobre o Tabor, terão força para reconhecer o Homem-Deus neste ser, esmagado pela angústia da morte?

Ao entrar no Jardim disse-lhes: “Ficai aqui! Velai e rezai para não cairdes em tentação. Acautelai-vos, porque o inimigo não dorme. Armai-vos antecipadamente com as armas da oração para não serdes surpreendidos e arrastados para o pecado. É a hora das trevas”. Tendo-os exortado, afastou-se à distância de uma pedrada e prostrou-se com a face em terra. A sua alma está mergulhada num mar de amargura e extrema aflição.

É tarde.

Na lividez da noite agitam-se sombras sinistras. A Lua parece injetada de sangue. O vento agita as árvores e penetra até aos ossos. Toda a natureza como que estremece de secreto pavor!

Ó noite, como nunca houve outra semelhante.

Eis o lugar onde Jesus vem orar. Ele despoja a sua santa Humanidade da força à qual tem direito pela sua união com a Divina Pessoa, e mergulha-a num abismo de tristeza, de angústia, de abjeção. O seu espírito parece submergir-se... Via antecipadamente toda a sua Paixão.

Vê Judas, seu apóstolo tão amado, que o vende por alguns dinheiros.

Ei-lo a caminho de Getsêmani, para o trair e entregar! Todavia, ainda há pouco não o alimentou com a sua carne, não lhe deu a beber o seu sangue? Prostrado diante dele, lavou-lhe os pés, apertou-os contra o coração, beijou-os com os seus lábios. Que não fez ele para o reter à beira do sacrilégio, ou pelo menos para o levar a arrepender-se!

Não!

Ei-lo que corre para a perdição... Jesus chora. Vê-se arrastado pelas ruas de Jerusalém onde ainda há alguns dias o aclamavam como Messias. Vê-se esbofeteado diante do sumo-sacerdote. Ouve os gritos: À morte! Ele, o autor da vida, é arrastado como um farrapo de um para outro tribunal. O povo, o seu povo tão amado, tão cumulado de bênçãos, vocifera contra Ele, insulta-o, reclama aos gritos a sua morte, e que morte, a morte sobre a cruz. Ouve as suas falsa acusações. Vê-se flagelado, coroado de espinhos, escarnecido, apupado como falso rei. Vê-se condenado à cruz, subindo ao Calvário, sucumbindo ao peso do madeiro, trêmulo, exausto...

Ei-lo chegado ao Calvário, despojado das roupas, estendido sobre a cruz, impiedosamente trespassado pelos pregos, ofegante entre indizíveis torturas... Meu Deus! Que longa agonia de três horas, até sucumbir no meio dos apupos da gentalha, ébria de cólera!
Ei-lo com a garganta e as entranhas, devoradas por sede ardente. Para estancar essa sede, dão-lhe vinagre e fel.

Vê o Pai que o abandona, e a Mãe, aniquilada pela dor.

Para acabar, a morte ignominiosa no meio de dois ladrões. Um reconhece-o, e pôde salvar-se; o outro blasfema e morre réprobo.

Vê Longuinhos, que se aproxima para lhe trespassar o coração.

Ei-la, consumada, a extrema humilhação do corpo e da alma, que separam...

Tudo isto, cena após cena, passa diante dos seus olhos, apavora-o, acabrunha-o Recusará?

Desde o primeiro instante tudo avaliou, tudo aceitou. Porque, pois, este terror extremo? É que expôs a sua santa humanidade como escudo, captando os ataques da Justiça, ultrajada pelo pecado.

Sente vivamente no espírito, mergulhado na maior solidão, tudo o que vai sofrer.
Para tal pecado, tal pena... Está aniquilado, porque se entregou, ele próprio, ao pavor, à fraqueza, à angústia.

Parece ter chegado ao auge da dor. Está de rastos, com a face em terra, diante da Majestade do Pai. Jaz no pó, irreconhecível, a santa Face do Homem-Deus, que goza da visão beatífica. Meu Jesus! Não sois Deus? Não sois o Senhor do Céu e da Terra, igual ao Pai? Para que haveis de abaixar-vos até perder todo o aspecto humano?

Ah, sim... Compreendo! Quereis ensinar-me, a mim, orgulhoso, que para entender o Céu devo abismar-me até ao fundo da Terra. É para expiar a minha arrogância que vos deixais afundar no mar da agonia. É para reconciliar o Céu com a Terra que vos abaixais até à terra como se quisesseis dar-lhe o beijo da paz...

Jesus ergue-se, volve para o céu um olhar suplicante, ergue os braços, reza. Cobre-lhe o rosto mortal palidez! Implora o Pai que se desviou dele. Reza com confiança filial, mas sabe bem qual o lugar que lhe foi marcado. Sabe-se vítima a favor de toda a raça humana, exposta à cólera de Deus ultrajado. Sabe que só ele pode satisfazer a Justiça infinita e conciliar o Criador com a criatura. Quer, reclama que seja assim. A sua natureza, porém, está literalmente esmagada. Insurge-se contra tal sacrifício. Todavia, o seu espírito está pronto à imolação e o duro combate continua. Jesus, como podemos pedir-vos para sermos fortes, quando vos vemos tão fraco e acabrunhado?

Sim, compreendo! Tomastes sobre vós a nossa fraqueza. Para nos dardes a vossa força, vos tornastes a vítima expiatória. Quereis ensinar-nos como só em vós devemos depositar confiança, até quando o céu nos parece de bronze.

Na sua Agonia, Jesus clama ao Pai: “Se é possível, afasta de mim este cálix”. É o grito da natureza que, prostrada, recorre cheia de confiança ao Céu. Embora saiba que não será atendido, porque não deseja sê-lo, contudo ora. Meu Jesus, por que pedis o que não podeis obter? Que mistério vertiginoso! A mágoa que vos dilacera vos faz mendigar a ajuda e conforto, mas o vosso amor por nós e o desejo de nos levar a Deus vos faz dizer: “Não se faça a minha vontade, mas a tua”.

O seu coração desolado tem sede de ser confortado, tem sede de consolação.

Docemente, Ele levanta-se, dá alguns passos vacilantes; aproxima-se dos discípulos; eles, pelo menos, os amigos de confiança, hão de compreender e partilhar da sua mágoa...
Encontra-os mergulhados no sono. De súbito sente-se só, abandonado! “Simão, dormes?” pergunta docemente a Pedro. Tu, que há pouco me dizias que querias seguir-me até à morte!
Vira-se para os outros. “Não podeis velar uma hora comigo?”. Uma vez mais, esquece os sofrimentos, não pensa senão nos discípulos: “Velai e orai para não cairdes em tentação!”. Parece dizer “Se me esquecestes tão depressa, a mim, que luto e sofro, pelo menos no vosso próprio interesse, velai e orai!”.

Mas eles, tontos de sono, mal o ouvem.

Ó meu Jesus, quantas almas generosas, tocadas pelos vossos lamentos, vos fazem companhia no Jardim da Oliveiras, compartilhando da vossa amargura e da vossa angústia moral. Quantos corações têm respondido generosamente ao vosso apelo através dos séculos! Possam eles vos consolar e, comparticipando do vosso sofrimento, possam eles cooperar na obra da salvação! Possa eu próprio ser desse número e vos consolar um pouco, ó meu Jesus!

Jesus volta ao local da oração e apresenta-se-lhe diante dos olhos um outro quadro bem mais terrível. Desfilam diante dele todos os nossos pecados, nos seus mais ínfimos pormenores. Vê a extrema vulgaridade dos que os cometem. Sabe a que ponto ultrajam a divina Majestade. Vê todas as infâmias, todas as obscenidades, todas as blasfêmias que mancham os corações e os lábios, criados para cantar a glória de Deus. Vê os sacrilégios que desonram Pais e fiéis. Vê o abuso monstruoso dos sacramentos, instituídos por Ele para nossa salvação, e que facilmente podem ser causa de nos perdermos.

Tem de cobrir-se com toda a lama fétida da corrupção humana. Tem de expiar cada pecado à parte, e restituir ao Pai toda a glória roubada. Para salvar o pecador, tem de descer a esta cloaca. Mas, isto não o detém. Vaga monstruosa, essa lama rodeia-o, submerge-o, oprime-o.

Ei-lo em frente do Pai, Deus da Justiça, Ele, Santo dos Santos, vergado ao peso dos nossos pecados, tornando-se igual aos pecadores. Quem poderá sondar o seu horror e a sua extrema repugnância? Quem compreenderá a extensão da horrível náusea, do soluço de desgosto? Tendo tomado todo o peso sobre ele, sem exceção alguma sente-se esmagado por monstruoso fardo, e geme sob o peso da Justiça divina, em face do Pai que permitiu ao Seu filho se oferecesse como vítima pelos pecados do mundo, e se transformasse numa espécie de maldito.

A sua pureza estremece diante desta massa infame mas ao mesmo tempo vê a Justiça ultrajada, o pecador condenado... No seu coração defrontam-se duas forças, dois amores. Vence a Justiça ultrajada. Mas, que espetáculo infinitamente lamentável! Este homem, carregado com todos os nossos crimes. Ele, essencialmente Santidade, confundido, embora exteriormente, com os criminosos... Treme como um folha.

Para poder afrontar esta terrível agonia abisma-se na oração. Prostrado diante da Majestade do Pai, diz: “Pai, afasta de mim este cálice”. É como se dissesse: “Pai, quero a tua glória! Quero o cumprimento da tua justiça. Quero a reconciliação do gênero humano. Mas não por este preço! Que eu, santidade essencial, seja assim salpicado pelo pecado, ah! não... isso não! Ó pai, a quem tudo é possível, afasta de mim este cálice e encontra outro meio de salvação nos tesouros insondáveis da tua sabedoria. Porém, se não quiseres, que a tua vontade, e não aminha, se faça!

Desta vez ainda, fica sem efeito a prece do Salvador. Sente a angústia mortal, ergue-se a custo em busca de consolação. Sente como as forças o abandonam. Arrasta-se penosamente até junto dos discípulos. Uma vez mais, encontra-os a dormir. A sua tristeza torna-se mais profunda. E contenta-se simplesmente em os acordar. Sentiram-se confusos? Sobre isto nada sabemos. Só vemos Jesus indizivelmente triste. Guarda para ele toda a amargura deste abandono.

Mas Jesus, como é grande a dor que leio no teu coração, transbordante de tristeza. Vos vejo afastando-vos dos vossos discípulos, ferido, todo magoado! Pudesse eu dar-vos algum reconforto, consolar-vos um pouco... mas, incapaz de mais nada, choro aos vossos pés. Unem-se às vossas as lágrimas do meu amor e da minha compunção. E elevam-se até ao trono do Pai, suplicando que tenha piedade de nós, que tenha piedade de tantas almas, mergulhadas no sono do pecado e da morte.

Jesus volta ao lugar onde rezara, extenuado e em extrema aflição. Cai, sim, mas não se prostra. Cai sobre a terra. Sente-se despedaçado por angústia mortal e a sua prece torna-se mais intensa.

O Pai desvia o olhar, como se Ele fosse o mais abjeto dos homens. Parece-me ouvir os lamentos do Salvador:

Se, ao menos as criaturas por causa de quem eu tanto sofro quisessem aproveitar-se das graças obtidas através de tantas dores! Se, ao menos reconhecessem pelo seu justo valor, o preço pago por mim para resgatar e dar-lhes a vida de filhos de Deus! Ah! este amor despedaça-me o coração, bem mais cruelmente do que os carrascos que irão, em breve, despedaçar-me a carne...

Vê o homem que não sabe, porque não quer saber; e blasfema do Sangue Divino e, o que é bem mais irreparável, serve-se desse Sangue para sua condenação.

Quão poucos o hão de aproveitar, quantos outros correrão ao encontro do próprio extermínio!

Na grande amargura do Seu coração, continua a repetir: “Quæ utilitas im sanguine meo? Quão poucos aproveitaram o meu Sangue!

O pensamento, porém, deste pequeno número basta para afrontar a Paixão e morte.
Nada existe, não há ninguém que possa dar-lhe sombra de consolação. O Céu fechou-se para Ele. O homem, embora esmagado ao peso dos pecados, é ingrato e ignora o seu amor. Sente-se submerso num mar de dor e grita no estertor da agonia: “A minha alma está triste até a morte”.

Sangue Divino, que jorras, irresistivelmente do Coração de Jesus, corres por todos os seus poros para lavar a pobre Terra ingrata. Permite-me que eu te recolha, Sangue tão precioso, sobretudo estas primeiras gotas. Quero guardar-te no cálice do meu coração.
És prova irrefutável deste Amor, única causa de teres sido vertido. Quero purificar-me através de ti, Sangue preciosíssimo! Quero com ele purificar todas as almas, manchadas pelo pecado. Quero oferecer-te ao Pai.

É o sangue do seu Filho Bem-Amado que caiu sobre a Terra para a purificar. É o Sangue do seu Filho que ascende ao Seu trono para reconciliar a Justiça ultrajada. A alegria é na verdade muito mais veemente do que a dor.

Jesus chegou então ao fim do caminho doloroso?

Não.

Ele não quer limitar a torrente do seu amor! É preciso que o homem saiba quanto ama o Homem-Deus. É preciso que o homem saiba até que abismos de abjeção pode levar amor tão completo. Embora a Justiça do Pai esteja satisfeita com o suor do Sangue preciosíssimo, o homem carece de provas palpáveis deste amor.

Jesus seguirá pois até ao fim: até à morte ignominiosa sobre a cruz. O contemplativo conseguirá talvez intuir um reflexo desse amor que o reduz aos tormentos da santa agonia no Jardim das Oliveiras. Aquele, porém, que vive, entorpecido pelos negócios materiais, procurando muito mais o mundo do que o Céu, deve vê-lo também pelo aspecto externo, pregado à cruz, para que, ao menos, o comova a visão do seu Sangue e a Sua cruel agonia.

Não.

O Seu coração, transbordante de amor, não está ainda contente! Domina-o a aflição, e ora de novo: “Pai, se este cálice não pode ser afastado, sem que eu bebe, faça-se a Tua vontade”.

A partir deste instante, Jesus responde do fundo do seu coração abrasado de amor, ao grito da humanidade que reclama a sua morte como preço da Redenção. À sentença de morte que seu Pai pronuncia no Céu, responde a Terra reclamando a sua morte. Jesus inclina a sua adorável cabeça: “Pai, se este cálice não pode ser afastado, sem que eu o beba, faça-se a Tua vontade”.

E eis que o Pai lhe envia um anjo de consolação. Que alívio pode um anjo oferecer ao Deus da força, ao Deus invencível, ao Deus Todo-Poderoso? Mas este Deus quis tornar-se inerme. Tomou sobre os ombros toda a nossa fraqueza. É o Homem das Dores, em luta com a agonia.

Ora ao Pai por Si e por nós. O Pai recusa atendê-lo, pois deve morrer por nós. Penso que o anjo se prostra profundamente diante da Beleza eterna, manchada de pó e sangue, e com indizível respeito suplica a Jesus que beba o cálice, pela glória do Pai e pelo resgate dos pecadores.

Rezou assim, para nos ensinar a recorrer ao Céu, unicamente quando as nossas almas estão desoladas como a Sua.

Ele, a nossa força, virá ajudar-nos, pois que consentiu em tomar sobre os ombros todas as nossas angústias.

Sim, meu Jesus, é preciso que bebais o cálice até ao fundo! Estais votado à morte mais cruel. Jesus, que nada possa separar-me de vós, nem a vida nem a morte! Se, ao longo da vida, só desejo unir-me ao vosso sofrimento, com infinito amor, ser-me-á dado morrer convosco no Calvário e convosco subir à Glória. Se vos sigo nos tormentos e nas perseguições tornar-me-eis digno de vos amar um dia, no Céu, face a face, convosco, cantando eternamente o vosso louvor em ação de graças pela cruel Paixão.

Vede! Forte, invencível, Jesus ergue-se do pó! Não desejou Ele o banquete de sangue com o mais forte desejo? Sacode a perturbação que o invadira, enxuga o suor sangrento da face, e, em passo firme dirige-se para a entrada do Jardim.

Onde ides, Jesus? Ainda há instantes, não estavas empolgado pela angústia e pela dor? Não vos vi eu, trêmulo, e como que esmagado sob o peso cruel das provações que vão tombar sobre vós? Aonde ides nesse passo intrépido e ousado? A quem vais entregar-vos?

— Escuta, meu filho. As armas da oração ajudaram-me a vencer; o espírito dominou a fraqueza da carne. A força foi-me transmitida, enquanto orava, e agora eis-me pronto a tudo desafiar. Segue o meu exemplo e arranja-te com o Céu, como eu fiz. Jesus aproxima-se dos apóstolos. Continuam a dormir! A emoção, a hora tardia, o pressentimento de alguma coisa horrível e irreparável, a fadiga — e ei-los mergulhados em sono de chumbo. Jesus tem piedade de tanta fraqueza. “O espírito está pronto, mas a carne é fraca”.

Jesus exclama. “Dormi agora e repousai”. Detém-se por instante. Ouvem que Jesus se vai aproximando, e entreabrem os olhos...

Jesus continua a falar: “Basta. É chegada a hora; eis que o Filho do Homem vai ser entregue nas mãos dos pecadores. Levantai-vos, vamos; eis que se aproxima o que me há de entregar”. Jesus vê todas as coisas com os seus olhos divinos. Parece dizer: Meus amigos e discípulos, vós dormis, enquanto que os meus inimigos velam e se aproximam para virem prender-me! Tu, Pedro, que há pouco te julgavas bastante forte para me seguir até na morte, também tu dormes agora! Desde o princípio tens-me dado provas da tua fraqueza! Está, porém, tranqüilo.

Aceitei sobre mim a tua fraqueza e rezei por ti. Depois de confessares a tua falta, serei a tua força e apascentará os meus rebanhos...

E tu, João, também tu dormes? Tu, que acabavas de sentir as pulsações do meu coração, não pudeste velar uma hora comigo!

Levantai-vos, vamos partir, já não há tempo para dormir. O inimigo está à porta! É a hora do poder das trevas! Partamos. De livre vontade, vou ao encontro da morte. Judas acorre para trair-me, e eu vou ao seu encontro. Não impedirei que se cumpram à risca as profecias. Chegou a minha hora: a hora da misericórdia infinita.

Ressoam os passos; archotes acesos enchem o jardim de sombras e púrpura. Intrépido e calmo, Jesus avança seguido pelos discípulos.

— Ó meu Jesus, dai-me a vossa força quando a minha pobre natureza se revolta diante dos males que a ameaçam, para que possa aceitar com amor as penas e aflições desta vida de exílio. Uno-me com toda a veemência aos vossos méritos, às vossas dores, à vossa expiação, às vossas lágrimas, para poder trabalhar convosco na obra da salvação. Possa eu ter a força de fugir ao pecado, causa única da vossa agonia, do vosso suor de sangue, e da vossa morte.
Afasteis de mim o que vos desagrada, e imprimi no meu coração com o fogo do vosso santo amor todos os vossos sofrimentos. Abraçai-me tão intimamente, em abraço tão forte e tão doce, que nunca eu possa deixar-vos sozinho no meio dos vossos cruéis sofrimentos.


Só desejo um único alívio: repousar sobre o vosso coração. Só desejo uma única coisa: partilhar da vossa Santa Agonia. Possa a minha alma inebriar-se com o vosso Sangue e alimentar-se com o pão da vossa dor!

Amém.



Pio de Pietrelcina

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